Lucas Salgado – Agência O Globo
“É uma mistura de muita coisa, de emoção, de medo. Envelhecemos, amadurecemos. Na época, fizemos um filme, que achávamos que seria bom, mas não sabíamos que estávamos fazendo um fenômeno que transcendeu e atravessou gerações”, diz Selton Mello sobre sua volta ao personagem Chicó em “O Auto da Compadecida 2”, filme previsto para chegar aos cinemas em 2024. “Me sinto como o Mark Hamill fazendo o Luke Skywalker depois de tantos anos. Nunca imaginei que faria o Chicó de novo. No começo deu um medo e agora não queria que acabasse”.
Escrita por Ariano Suassuna nos anos 1950, a peça “Auto da Compadecida” é uma conhecida e respeitada obra da dramaturgia do Brasil. Foram várias as montagens nos palcos de todo o país ao longo de décadas e duas adaptações para os cinemas, com “A Compadecida” (1969), de George Jonas, e “Os Trapalhões no Auto da Compadecida” (1987), de Roberto Farias. A adaptação marcante que perdura até hoje viria em duas formas, como série da TV Globo, em 1999, e como filme, no ano 2000. Sob comando de Guel Arraes, as versões conquistaram lugar na memória do brasileiro, que, duas décadas depois, ainda tem muito carinho pelos trabalhos de Selton Mello e Matheus Nachtergaele como Chicó e João Grilo, respectivamente.
É na data que marca os 25 anos do lançamento da série, em 2024, que chegará aos cinemas “O Auto da Compadecida 2”, com retorno da dupla de protagonistas e de parte da equipe e do elenco. O longa, com estreia prevista para dezembro do ano que vem, foi rodado entre os últimos meses de agosto e outubro. O Globo acompanhou um dia de filmagens, num estúdio na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.
Guel Arraes, que retorna como diretor, agora acompanhado de Flávia Lacerda na função, conta que há anos escuta pedidos de fãs e produtores para realizar uma continuação de seu maior sucesso. Há três anos, a equipe decidiu então se reunir para resolver de uma vez por todas se uma sequência era algo que desejariam. No início, o time se mostrou dividido, mas aos poucos todos foram se lembrando do que a obra significava para eles e, ao final, não sem emoção, decidiram seguir com o projeto.
IDENTIFICAÇÃO COM OS PERSONAGENS
Emoção, por sinal, seguiu sendo a tônica ao longo das filmagens. É o caso de Matheus Nachtergaele, que teve uma crise de choro ao ter que tirar o figurino de João Grilo ao fim das gravações da série original.
“Eu me lembro do último dia de ‘O Auto da Compadecida’. Estavam desmontando os cenários e eu estava chorando porque não queria tirar a roupa do Grilo. Estava escondidinho na cozinha da Dora (personagem de Denise Fraga) e não queria ir para meu camarim porque iriam tirar o meu dentinho e a minha roupa de Grilo”, lembra Matheus. “Quando acabou, eu falava: ‘Não, não quero me separar dele’. Então, agora, com a volta, é um alívio, e ao mesmo tempo uma responsa. Penso: ‘Não precisava ter chorado, garoto’.”
A sensação de “não queria que acabasse” é comum em todo elenco, inclusive nos atores que não fizeram parte do original, como Taís Araújo. A atriz interpreta uma nova versão de Nossa Senhora, após uma incompatibilidade na agenda de Fernanda Montenegro. Taís lembra que, ao encerrar seu último dia de trabalho no set, ela não queria tirar seu figurino, não queria se despedir da personagem.
A relação dos atores com os tipos que interpretam é, de fato, digna de nota. Selton diz que Chicó é, de longe, seu personagem mais querido pelo público, o papel pelo qual é reconhecido em qualquer lugar que visite do Brasil, mesmo com outros trabalhos memoráveis no cinema e na televisão. Ele também se impressiona com a atemporalidade da obra, que hoje virou fenômeno no TikTok, com usuários dublando os personagens em cenas recriadas em suas casas.
Matheus conta que chegou a fazer “um cavalo de batalha” com o fato de a produção não encontrar o chapéu original do Grilo antes das filmagens. A peça usada na série só foi achada às vésperas de entrar no set, o que deu ao ator a certeza de que tudo daria certo.
“A equipe chegou a reproduzir um chapéu, que era idêntico, mas o fato de o original ter sido encontrado e chegado na minha mão me deu um sentimento bom. Nunca tinha vivido com essa força um reencontro de personagem, é quase impossível descrever, um personagem que é um clássico imediato. Ele é como se fosse uma lenda, um saci pererê”, diz Matheus. “De todos os personagens que fiz, acho que mudaria uma coisinha ou outra, mas do Grilo não. Eu vejo ‘O Auto’ como espectador. Não tem nada que queria ter feito diferente. E agora estão me dando ele de volta”.
FILMAGENS
‘O Auto da Compadecida 2’ foi todo rodado no Rio, diferentemente do original, filmado em Cabaceiras, interior do estado da Paraíba. Guel Arraes diz que os avanços tecnológicos permitiram que a produção seguisse no Rio. Além da estrutura de estúdio, ele teve acesso a painéis de LED que transformaram sua obra, que descreve como uma “opereta bufa”, com um retrato menos ingênuo e mais encantador do Nordeste. A produção virtual no LED ajuda a recriar a cidade de Taperoá nos anos 1950, 25 anos depois da história original.
Além de Selton e Matheus, o novo longa contará com os retornos de Virginia Cavendish como Rosinha e Enrique Diaz como Joaquim Brejeiro. Eduardo Sterblitch, Humberto Martins, Fabiula Nascimento, Luis Miranda e Juliano Cazarré se juntam ao elenco. O roteiro é de Guel Arraes e João Falcão, com a colaboração de Adriana Falcão e Jorge Furtado. Selton assina embaixo. “Acho que vai ser tão engraçado quanto o primeiro e ainda mais comovente”.