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CADÊ ELA? Globeleza deu adeus ao Carnaval

foto: divulgação/ TV Globo
foto: divulgação/ TV Globo

Já se foi o tempo em que uma mulher negra pelada surgia requebrando na tela da Globo durante o Carnaval. A clássica vinheta da Globeleza com versos cantados por Jorge Aragão não deve ser mais exibida pela emissora durante a festança, que só agora volta a ocorrer nos moldes tradicionais após a pandemia.

A Globeleza já havia sumido no Carnaval do ano passado, quando sua chamada foi substituída por cenas de desfiles. Só que aquela folia ocorreu fora de época, em poucos pedaços do país e cheia de pessoas com medo do vírus. Agora que o mundo voltou aos eixos, é difícil não notar a ausência da vinheta clássica.

A Globeleza já vinha mudando nos últimos anos à luz do debate público sobre temas como objetificação feminina, pressão estética e racismo. Criada pelo designer Hans Donner no início dos anos 1990, a vinheta ficou famosa pela ousadia de exibir anualmente uma mulher nua dançando sem pudores nas telas da maior emissora do país. Foi só em 2017 que a musa passou a sambar vestida.

Valeria Valenssa. foto: divulgação

Questionada, a Globo enviou uma nota à reportagem em que não explica o motivo de ter dado fim à imagem da musa carnavalesca. Diz só que agora quer celebrar diversas manifestações culturais e regionais do Carnaval. A emissora afirmou não ter um porta-voz para comentar o assunto.

“O Carnaval Globeleza foi se adaptando, se modificando ano a ano, acompanhando as mudanças da sociedade e da própria festa. A tradicional vinheta passou por atualizações nos últimos anos, quando ganhou mais integrantes e passou a representar carnavais de todo o país”, diz um trecho da nota.

PRIMEIRA
Aparecer nua na televisão nunca foi um problema para Valeria Valenssa, a primeira e mais emblemática das Globelezas. Ela conta que sua intenção não era causar polêmica ao sambar com o corpo despido e pintado, mas sim expor um trabalho artístico feito a várias mãos.

“As pessoas nunca chegavam perto de mim para falar ‘caramba, você é sexy’. Eu fazia todas as minhas apresentações e desfiles com o corpo pintado porque era como queriam me ver. Nunca escutei uma gracinha nem ninguém abusou de mim”, afirma ela.

Existem vários estudos que problematizam a Globeleza. As pesquisadoras Adriana Dandolini e Melissa Ruiz, por exemplo, usaram a diva carnavalesca da Globo como inspiração para uma tese de doutorado que se debruça sobre a influência da mídia na manutenção de padrões estéticos.

Nayara Justino. foto: divulgação

“Percebemos o quão violenta [a vinheta] era para as mulheres negras. Não por causa da sensualidade, mas por reduzir a mulher preta a esse espaço social, que perdurou tanto tempo por causa do reforço midiático”, diz Dandolini. As estudiosas concluíram que a Globeleza ajudou a formar uma ideia grotesca da exploração dos corpos de mulheres negras.

Valenssa nunca sentiu que seu corpo foi objetificado, afirma. Ela estreou como Globeleza há 30 anos a convite do próprio Hans Donner, que ficou famoso por criar vinhetas clássicas da Globo. Os dois se casaram, tiveram dois filhos e se separaram em 2017. Procurado, o designer não quis falar sobre o assunto.

Valenssa gravou 12 vinhetas. Em 2000, a dançarina se vestiu com aparatos que supostamente remetem a povos indígenas para comemorar os 500 anos de descobrimento do país.

MUDANÇAS
Na tentativa de dar boas-vindas ao século 21, Valenssa usou em 2001 um figurino metálico que deveria parecer futurista. Dois anos depois, gravou a chamada exibindo um barrigão de grávida. No ano seguinte, prestes a ter o segundo filho, Valenssa foi substituída por uma boneca digital.

Gianne Carvalho. foto: divulgação/ TV Globo

A musa foi trocada por Giane Carvalho em 2005, que assumiu a Globeleza no final da vinheta daquele ano. Mas Carvalho só teve alguns segundos de fama. Foi substituída no ano seguinte pela bailarina Aline Prado, que ocupou o cargo até 2013.

Em 2014, Nayara Justino foi eleita a nova Globeleza por voto popular num concurso do programa Fantástico. Tudo parecia correr bem, até que sua vitória virou um trauma.

Mulher de pele negra retinta, Justino foi alvo de ataques racistas. Leu nas redes sociais que era macaca e parecia o Zé Pequeno. “Estava ganhando uma proporção muito grande. Vinha de todas as pessoas, de todos os lados, da galera da televisão, dos apresentadores de TV. Até conhecidos meus. É uma coisa que sinto até hoje”, diz.

Texto: Guilherme Luis – Folhapress