Cyda Moreno, de 61 anos, buscou referências em suas vivências e nas mulheres negras que criam seus netos para dar vida à Yara, em ‘Dona de Mim’, da TV Globo. No folhetim de Rosane Svartman, a avó de Leona (Clara Moneke) e Stephany (Nikolly Fernandes) não mede esforços para ver bem as jovens, que perderam a mãe cedo. Para ajudar nas despesas, a personagem improvisa uma creche na sala de casa e cuida das crianças do bairro, incluindo Dedé (Lorenzo Reis), filho de Kamila (Giovanna Lancellotti).
“A Yara é solar, cuidadosa, batalhadora e criou as netas com este mesmo espírito. Quanto ao carisma, eu empresto o meu próprio. Ele faz parte de mim e se adequa perfeitamente à vó Yara”, comenta Cyda.
Mamãe de Miguel Arcanjo, de 31, e Madara Luiza, de 29, a artista conta que emprestou um pouco do relacionamento que tem com os filhos para compor a personagem. “Minha relação com eles é muito próxima da relação da Yara e suas netas. Sou louca por eles e cheia de admiração. Sempre fui muito protetora, parceira e cuidadora. Não meço nenhum esforço para apoiá-los. Oro muito pela felicidade deles e peço proteção contra todas as formas de violência”, entrega.
Diferente da costureira aposentada da fábrica Boaz, Cyda ainda não é vovó. Entretanto, ela não esconde a vontade de ter um netinho. “Sonho com a chegada deste dia. Sou completamente apaixonada por crianças. Meus filhos já estão adultos e parecem estar longe de terem filhos”, dispara. Mas quando esse grande dia chegar, a artista pretende ser uma boa conselheira — assim como Yara é para as netas.
“O tempo nos traz muita sabedoria. Um olhar adiante e experiências vividas, que procuro passar, de uma forma carinhosa às pessoas mais jovens e próximas. Sempre gosto de frisar sobre a importância das escolhas que fazemos.
Porque escolhas erradas trazem consequências caras, difíceis muitas vezes de desvencilharmos. Acredito que a gente sempre aprende algo com os mais velhos. E o que pretendo com meus netos é ser aquela parceira para tudo, mas sempre atenta para não invadir espaços. Desenvolver uma relação de afetos mútuos e liberdade com respeito. E com certeza serei absurdamente coruja. Amo crianças. Amo a Leo e a Stephany. Acho elas lindíssimas. As netas que queria ter. Me encheria de orgulho”, afirma.
A vida de Cyda Moreno
Outro ponto em comum entre Cyda e a antiga costureira é a vida cheia de batalhas. “Já trabalhei de tudo nesta vida. Quando me separei, meus filhos tinham 5 e 7 anos. E apesar da ajuda do pai, vivi momentos de muitas lutas para dar conta das despesas da casa. Já trabalhei com quentinhas, com buffet de comida mineira em feiras e eventos, sou professora de artes do estado e trabalhei durante 9 anos em Nova Iguaçu, a 60 km de casa”, recorda a atriz, que é natural de Minas Gerais.
“Sempre trabalhei, desde criança, porque sempre gostei de dinheiro e tenho um espírito de liberdade e independência. Nunca me privei de fazer nada por não ter dinheiro. Como a Yara, batalho muito. Mas vivo a vida em sua total plenitude, com viagens, hotéis, praias e mimos. Tenho meu próprio apartamento, carro zero e vivo com muita dignidade, graças às minhas conquistas. Já desfrutei um mês de férias em Nova York e também em países da África. Graças ao meu espírito batalhador. Como Vó Yara, a gente acredita que gente é para brilhar, não para morrer de fome”, acrescenta.
Trajetória profissional de Cyda Moreno
Formada em Licenciatura em Artes Cênicas e fundadora da companhia Black & Preto Produções Artísticas, formada por atores negros, Cyda já integrou o elenco de novelas como ‘A Padroeira’ (2001) e ‘Amor Perfeito’ (2023), além de inúmeras peças de teatro e os filmes ‘Amor & Cia’ (1998), ‘Quem Vai Ficar com Mário’ (2021) e ‘Expresso Parador’ (2022).
Ela, então, revela como essas diferentes linguagens artísticas influenciam sua atuação. “As três são imprescindíveis e de extrema relevância para o trabalho do ator, e dialogam entre elas. No teatro, o ator está diante do público, ao vivo e a cores, e tem mais liberdade para performar, fazer experimentos vocais, corporais e interpretações mais delineadas. Já no cinema e na TV, a performance se dá através do audiovisual e da fotografia, exigindo do ator uma performance mais minuciosa. Mas acredito que a base de todo o trabalho do ator vem do teatro, que exige um domínio maior do seu corpo, voz, e emoção para se comunicar com público, cotidianamente”, analisa.
Moreno ainda considera o espetáculo ‘Luiza Mahin… Eu ainda continuo aqui’, idealizado e protagonizado por ela, como um dos grandes divisores de águas de sua trajetória profissional. “Sua história é impactante e permeada de astúcia. Foi a heroína da Guerra dos Malês, em 1835, em Salvador, na Bahia, e mãe do jornalista e abolicionista Luiz Gama. Passaram-se 15 anos depois que a conheci, e em plena pandemia, quando as produções teatrais saíram de cena, eu ganhei meu primeiro edital (o Aldir Blanc), que me permitiu montar Luiza Mahin como eu sonhava”, lembra.
“O espetáculo desde então foi um verdadeiro sucesso. Fizemos inúmeras viagens, ganhamos vários outros editais, ganhamos muitos prêmios. A peça é um soco no estômago por promover o encontro da ancestral Luiza Mahin, que teve o filho vendido como escravo aos 10 anos de idade, com mães contemporâneas que perderam seus filhos pelo genocídio negro. Uma obra que fala de dor e de acolhimento a estas mães. Mahin se tornou a minha guru, meu guia espiritual, uma entidade que me assiste, que abriu e continua me abrindo caminhos maravilhosos em minha carreira artística, na TV e no teatro. Em breve estaremos de volta”, avisa. (O Dia)