Na segunda-feira (30), o sertanejo Murilo Huff conseguiu a guarda unilateral do filho Léo, 4, fruto da relação com a cantora sertaneja Marília Mendonça, morta em uma acidente aéreo em 2021. A decisão ocorreu após a Justiça acatar a acusação de negligência e alienação parental contra a avó materna, Ruth Moreira Dias.
Segundo reportagem do UOL, a defesa da mãe de Mendonça afirma que a “decisão contraria parecer do Ministério Público, que se manifestou contrário à concessão da tutela de urgência, e que provas ‘vão mudar totalmente o curso dessa ação'”.
Entendendo a Alienação Parental
O parecer levanta o debate sobre o que é a alienação parental e como essa prática é decisória em casos de disputa de guarda. A síndrome da alienação parental foi proposta pelo psiquiatra Richard Gardner e é quando um genitor desqualifica, de forma deliberada, o outro, visando interferir sistematicamente na relação entre a vítima da alienação e o filho, afastando-os.
A alienação parental foi definida pela lei n° 12.318/2010, que estabelece medidas para proteger a criança e o adolescente desse tipo de interferência. Tanto a teoria de Gardner quanto a lei têm sofrido críticas, resultando em projetos de lei que promovem a revogação da lei da alienação parental integralmente.
No entanto, a alienação parental como prática ainda é reconhecida por especialistas. “Os critérios envolvem dificultar o contato com o outro genitor, omitir informações relevantes ou realizar falsas acusações”, explica a advogada especialista em direito da família Amanda Helito.
A advogada diz que a lei permite que qualquer pessoa que exerça influência na vida da criança seja responsabilizada por atos de alienação parental, como tios e avós. Segundo ela, apesar do essencial ser preservar os vínculos afetivos do menor, o juiz pode determinar mudança de guarda ou restrição de convivência.
A criança, nesse caso, é usada contra o genitor vítima. “Mesmo uma mentira muito óbvia, quando ela é repetida muitas vezes para a criança acaba se tornando uma verdade”, diz a psicóloga forense Maria de Fatima Franco dos Santos, complementando que o genitor que faz isso sabe que vai causar sofrimento à criança, agindo de forma narcísica e egocêntrica.
Os danos causados à criança em um processo de alienação parental podem perdurar durante toda a vida, dizem psicólogos. Os sentimentos mais comuns são os de rejeição, medo de não ser amado, desconfiança das pessoas, insegurança, ansiedade e culpa internalizada.
Ainda na infância, esses sinais podem ser observados, além de mudança brusca do comportamento e rejeição repentina por um dos genitores. “Precisamos olhar e prestar atenção nesses sinais, mais do que as palavras. A criança sempre dá sinais quando algo não vai bem”, afirma a psicóloga Patrícia Binhardi.
A psicóloga também explica que, em casos de falecimento de um dos genitores e no processo de luto, a tentativa de apagar a memória ou desqualificar a figura do genitor que partiu também pode ser uma forma sutil de alienação.
Desafios e Complexidades da Acusação
No entanto, é importante ressaltar que a acusação de alienação parental é algo complexo e que exige avaliação séria e multidisciplinar, além da apresentação de provas contundentes de que a prática está de fato ocorrendo.
A advogada especialista em direito de família Vanessa Paiva conta que a criação de provas pode ser complexa. “A lei da alienação parental estabelece que, havendo indícios desse tipo de violência, o juiz deve determinar perícia psicológica ou biopsicossocial com equipe qualificada, documentos e entrevistas”, complementa.
Para complementar os documentos probatórios, devem ser incluídos laudos psicológicos, áudios, mensagens e prints, laudos sociais e entrevistas com a criança. Paiva acrescenta que deve ser feita análise técnica minuciosa, via perícia interdisciplinar. Além disso, a advogada afirma que a lei proíbe que alegações de alienação sejam usadas para desqualificar denúncias de abuso ou violência, e o contrário também.
Artur Costa, psicanalista e professor da Associação Brasileira de Psicanálise Clínica (ABPC), diz que “o debate precisa ser técnico, não ideológico. A criança não pode ser palco de disputa, mas ser prioridade afetiva e institucional”.
O psicanalista reforça que a alienação parental não pode ser um álibi para encobrir outras violências, mas tampouco pode ser banalizada. Ele também aponta que o interesse do menor deve ser preservado e avaliado à luz do vínculo emocional, da estabilidade psíquica e do desenvolvimento subjetivo da criança, levando em conta o contexto afetivo.
Santos lembra que o profissional que vai fazer uma avaliação psicológica de alienação parental tem que ser uma pessoa experiente e que saberá olhar para todo esse contexto, além de conhecer bem as características de um alienador parental.
Durante o processo judicial de alienação parental, a psicóloga forense diz que a psicoterapia é uma das melhores formas de proteger a criança, também feita com um profissional experiente no assunto. “Para ajudar a criança a perceber que tudo aquilo que ela está sentindo, que ela está pensando em relação ao pai ou à mãe, os sentimentos que ela tem devem ser considerados e valorizados.”
Paiva explica que, do ponto de vista jurídico, é possível e necessário proteger a criança durante o processo judicial, sendo dever do juiz agir para essa proteção, conforme estabelece o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente).
Medidas de proteção à criança durante o processo judicial
As medidas para essa proteção envolvem: protocolo de escuta especializada, que evita exposição desnecessária; acompanhamento psicológico contínuo; antecipação de tutela para afastamento de um dos genitores, se comprovado risco à integridade da criança; sigilo processual, nomeação de curador especial, quando os pais forem inaptos para representar os reais interesses da criança.