Diário no Qatar

Tudo é relativo (Coluna Crônicas da Copa - 22/11)

Em 1990, na Copa da Itália, o goleiro Pumpido quebrou a perna em lance do jogo entre Argentina e União Soviética, ainda na fase de grupos. Goycochea entrou e fez o seu nome como grande pegador de pênaltis, sendo fundamental na campanha do vice-campeonato dos sul-americanos naquele Mundial. Foi um caso raríssimo de alinhamento de planetas. Não à toa foi uma época de muitas transformações no mundo. Até o comunismo ruiu – embora muitos patriotas sensitivos jurem de pés juntos que ainda veem uns fantasminhas por aí.

A regra é o goleiro reserva assistir à Copa do Mundo confortavelmente do banco, sem grandes preocupações. É um torneio de tiro curto, poucos jogos. Geralmente só mesmo em casos de contusão. Então, aos reservas resta treinar e aproveitar os dias de folga no país-sede para passear e fazer umas comprinhas. Se a sua seleção erguer a taça, ele pode encher a boca e dizer: “Sou campeão do mundo”. Claro, fez parte do grupo. Se cair, bem, paciência, o que ele poderia ter feito?

O técnico acionar o goleiro reserva por opção é muito difícil. Nem todo mundo é um Louis Van Gaal, que fez isso naquele Holanda e Costa Rica em 2014, pelas quartas de final, quanto trocou Cillessen por Tim Krul na hora da disputa de pênaltis. E deu certo. Foram exaltados, treinador e goleiro. Poderia ter dado muito errado. Mas ele teve a chance de fazer isso de novo na semifinal contra a Argentina. Não fez e a Holanda foi eliminada. E aí? Eu teria feito. Superstição no futebol é coisa séria.

Pois bem. Ontem, um goleiro reserva teve que entrar em campo na Copa. Assim como Goycochea, por lesão do titular. O iraniano Beiranvand se chocou com um zagueiro do próprio time e sofreu uma concussão logo no comecinho do jogo contra a Inglaterra. Hossen Hosseini entrou. Azar do titular e sorte do reserva? Afinal, é Copa. Participar é o que conta, não? Tudo é relativo. Tenho quase certeza que o pobre Hosseini, quando buscou a sexta bola inglesa no fundo da rede, suspirou fundo e disse, baixinho: “Eu só queria jogar meu Candy Crush em paz lá no banco”.

Os galeses e a “alma do futebol”

Os galeses, de volta à Copa 64 anos depois da sua primeira participação, mostraram que “ter alma”, seja na arquibancada ou no campo, é fundamental para ganhar a simpatia de todos em um Mundial. O jogo era morno e os EUA venciam com um gol do filho de George Weah, o melhor do mundo em 1995 e atual presidente da Libéria. Se acabasse ali a história da partida já estava escrita de forma até satisfatória, mas do outro lado estava um time que, embora desorganizado e nitidamente inferior, começou a ser empurrado pela torcida. Não tinha mais bola perdida e cada palmo de campo era disputado com ferocidade. Gareth Bale fez, então, a sua jogada mais conhecida: se fingiu de morto durante quase o jogo todo e só deu as caras na hora decisiva. Sofreu pênalti e fez o gol de empate para delírio da massa vermelha no estádio que, inclusive, carregava a curiosa faixa: “O Brasil teve Zico, nós temos Neco!”, um jovem lateral-direito do Nottingham Forest. Como não torcer pelos galeses?

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A coluna Crônicas da Copa é assinada pelo jornalista Carlos Eduardo Vilaça, editor do caderno Bola.