A 22ª Copa do Mundo, disputada pela primeira em país do Oriente Médio, mais precisamente no Qatar, é a primeira que põe em xeque o restrito clube de oito campeões mundiais. Começaram as oitavas de final e três deles não estavam entre os 16 classificados.
A tetracampeã Itália nem veio pela segunda vez seguida, a Alemanha acabou eliminada na fase de grupos, também pela segunda vez seguida, e o bicampeão Uruguai restou eliminado.
A bicampeã França perdeu para a Tunísia, a igualmente bicampeã Argentina foi derrotada pela Arábia Saudita, a campeã Espanha caiu diante do Japão que já havia derrotado a Alemanha, e o pentacampeão Brasil sofreu a primeira derrota em Copas do Mundo para uma seleção africana, a de Camarões.
Só a Inglaterra ainda não deu vexame. Vexame? É, é assim que os habitantes do seleto grupo dos oito tratam as derrotas para times asiáticos, africanos, centro ou norte-americanos, além dos da Oceania. Por acaso a Austrália, em grupo que tinha a Dinamarca, ficou com a vaga.
Do mesmo modo como se classificaram os asiáticos Japão e Coreia do Sul e os africanos Senegal e Marrocos, este último em primeiro lugar, ao superar os belgas e os vice-campeões mundiais croatas. Alguma coisa acontece fora da ordem na nova ordem mundial, conceda o genial Caetano a mistura de Sampa com Nova Ordem.
E é preciso mudar as lentes dos óculos, ou adotá-los para quem ainda não o fez, para melhor ver e entender os resultados inesperados em gramados árabes. Pois disse um qatariano para outro, ambos perplexos:
“Uma vez, o Japão ganhar da Alemanha, passa. É zebra, faz parte. Duas vezes, a Arábia Saudita bater na Argentina, OK, de fato os camelos estão perdendo o lugar para as zebras. Mas o Japão ganhou de novo, agora da Espanha. O que há? E os australianos e seus cangurus amestrados? E Camarões? Afinal, bicho, que bichos são esses? Marrocos? Senegal, sem Sadio Mané?”
Assim, à primeira vista, é clara a diferença de empenho entre os até ontem coadjuvantes e os protagonistas do Planeta Bola, sempre cheios de si, arrogantes a olhos vistos –meio assim como a madame que reclama de pobre em aeroporto e indica o caminho da rodoviária, ou o patrão indignado porque a filha da cozinheira entrou na vaga do filho dele na faculdade de medicina.
Nada impede que ao final do funil tenhamos os de sempre disputando o título. Até porque oito dos 16 são europeus, acompanhados por outras oito seleções dos demais continentes, algo inédito, três da América, dois da África, dois da Ásia e um da Oceania.
Os cinco campeões mundiais que sobraram têm condições totais de dar a volta por cima e se impor. Um soluço aqui, outro soluço ali, não será beber água com o copo ao contrário, mas sim os sustos que darão a solução.
Pois ninguém mais tem o direito de se surpreender com resultado algum, com seleção nenhuma, porque até a centro-americana Costa Rica, que levou de sete da Espanha e de quatro da Alemanha, foi a única a ganhar do Japão.
É verdade que as derrotas de todos os previamente classificados na terceira rodada foram com equipes recheadas de reservas contra times que lutavam por vaga e que a dos espanhóis deixou uma barulhenta castanhola atrás da orelha.
Só que o futuro esquecerá dos detalhe e lembrará dos resultados. E o presente permite especular se, enfim, veremos, de óculos novos, um país africano, ou asiático, campeão mundial.
Juca Kfouri
Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP