Diário no Qatar

O personagem do jogo (Coluna Crônicas da Copa - 29/11)

Brasil classificado, maravilha. Sentimento de alívio inundando o peito de cada torcedor. Na Copa em que a zebra tem gostado de passear é bom não dar bobeira mesmo e deixar para resolver no último jogo. Mas foi complicado. De todos os adversários da primeira fase a Suíça era o mais forte. Defensivamente, claro. Podem falar o que quiserem, que não é mais só o ferrolho, que os suíços agora entendem conceitos como “passar do meio de campo”, “atacar”, “fazer gol”, mas na prática não é bem assim.

Ofensivamente, a Suíça é como um bebê aprendendo a andar. De vez em quando dá uma corridinha desengonçada e pode até assustar. Ainda mais conseguindo segurar o empate sem gols, como quase sempre consegue. Aí basta uma bola e pronto, estrago feito. Sabendo disso de antemão, o Brasil precisaria explorar bem as pontas do campo, apostar no drible, para quebrar as linhas defensivas, e não insistir em jogadas pelo meio de campo, como fez durante praticamente todos os noventa minutos, tornando o jogo chato, infrutífero e perigoso, até.

Na estreia contra a Sérvia o time conseguiu jogar satisfatoriamente pelos lados, com profundidade e objetividade. Por que não repetiu? Simples. As ausências de Danilo e Neymar provocaram as mexidas de Tite. E essas foram desastrosas do ponto de vista ofensivo. Veja bem, Militão é um defensor, fez uma partida praticamente perfeita dentro de suas características. Mas no apoio ao ataque é uma nulidade – Alexsandro, do lado esquerdo, também. E Fred é um volante que não constrói absolutamente nada, apenas marca. Era Neymar quem cumpria bem esse papel. Então era lógico o problema que surgiria daí.

O técnico escalou errado? A resposta vai um pouco além disso. Na verdade, Tite convocou errado. Militão é zagueiro jogando improvisado na lateral. E foi o escolhido como substituto de Danilo porque a alternativa era Daniel Alves. Na primeira oportunidade que Tite teve para justificar a presença do veterano jogador na Copa – afinal, como Tite mesmo disse, Daniel é esse lateral construtor -, a ausência só provou o ponto de todos que o contestaram de que ele está ali por outros motivos, menos para jogar bola.

Nada contra ter Daniel Alves como liderança no vestiário ou algo que o valha, desde que não atrapalhe o plano de jogo. No entanto, o esquema montado por Tite requer jogadores que constroem por dentro e se aproximem dos pontas. Caso contrário, nada funciona. E acontece o que vimos diante da Suíça: tome bola longa para o Vinícius Júnior tentar resolver sozinho lá na frente. Óbvio que o técnico não esperava perder dois de seus titulares na estreia. Mas é Copa do Mundo, por isso decisões como essa precisam ser bem tomadas, racionalmente, avaliando todos os cenários, e não por camaradagem.

Por isso, o personagem do jogo da classificação brasileira diante da Suíça é ele, Daniel Alves, que, mesmo sem entrar em campo, foi decisivo para o futebol jogado pelo Brasil. Vencedor, mas de um jeito que fez time e torcida suarem frio. Agora é testar alternativas contra Camarões, justamente para tentar resolver essa deficiência, e ao mesmo tempo torcer para que Neymar e Danilo consigam se recuperar a tempo das oitavas de final.

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A coluna Crônicas da Copa é assinada pelo jornalista Carlos Eduardo Vilaça, editor do caderno Bola