Não digam a rara leitora e o raro leitor que não avisei.
Porque, antes de embarcar para Doha, contei, com todas as letras, que das Copas que cobri só numa deu Brasil, em 1994, nos Estados Unidos.
E vamos combinar que foi a menos empolgante das cinco conquistas porque nos pênaltis e depois de horrorosos 120 minutos de 0 a 0 em Los Angeles, sob sol de rachar mamona.
A primeira cobertura in loco aconteceu na Espanha, em 1982, e consagrou a inesquecível Tragédia de Sarriá, quando um time de sonhos viveu o pesadelo de enfrentar a Itália em tarde primorosa e acabou derrotado por 3 a 2.
Sob o comando de Telê Santana, jogadores dos quais você queria ser amigo, como Sócrates, Falcão, Leandro, Cerezo, Zico, foram derrotados e imaginaram ter segunda chance, no México, quatro anos depois.
E lá fomos nós amargar a derrota para a França nos pênaltis, depois da melhor apresentação brasileira e empate em 1 a 1.
Como drama pouco é bobagem, no mesmo jogo, Zico e Sócrates erraram cobranças, o Galinho durante o jogo e o Doutor no desempate.
Verdade que do time de 1990 não se esperava muito, mas, enfim, fomos para a Itália especular. E, de novo, na melhor atuação brasileira, derrota para a Argentina, 1 a 0, em lance genial de Diego Maradona para Caniggia concluir.
Estava um pouco demais para quem havia crescido ouvindo no rádio e vendo pela TV a seleção só se dar bem.
Campeão mundial aos 8 anos, bicampeão aos 12 e tricampeão, já profissional da imprensa, aos 20.
Impossível não identificar os próprios pés como frios a ponto de causar tantos embaraços e constrangimentos.
Mas veio 1994 e deu uma atenuada.
Talvez porque o excepcional fotógrafo Pedro Martinelli tenha me obrigado a jogar fora a bolsa que eu trazia a tiracolo desde 1982 e trocá-la por elegante colete, com um bolso para cada função, comprado em Stanford. Era a bolsa!
Nem o colete funcionou em 1998, na França, diante da convulsão de Ronaldo Fenômeno e a sapecada de 3 a 0 imposta pelos franceses chegou a ser humilhante.
Então, em 2002, Copa na Coreia do Sul e no Japão, 24 horas dentro de avião, escolhi ver a Copa no Brasil.
Havia já 20 anos que não vivia o país na grande festa do futebol e seria divertido vê-lo ao curtir jogos de madrugada.
O Brasil foi pentacampeão”¦
Fala sério! Qualquer cidadão com um mínimo de responsabilidade social há de se convencer de suas responsabilidades e declinar de novas coberturas.
Ok, ok, ok, para tirar a cisma, não custa tentar mais uma vez e lá fomos nós para Alemanha, em 2006, quando o francês Zidane nos despachou nas quartas de final, o que se repetiu com o holandês Sneijder, em 2010, na África do Sul, e com o belga De Bruyne, em 2018, na Rússia, para não falar dos estranhos episódios acontecidos no próprio Brasil, em 2014, nas cercanias germânicas do Mineirão.
Daí não haver surpresa alguma com a peça pregada pelos “croacianos” que inspiram estas linhas, especialmente o feiticeiro Modric, mais um europeu a nos mandar para casa mais cedo, este com a cumplicidade do goleiro Livakovic e, é claro, de Neymar e companhia, incapazes de jogar futebol à altura das gerações que os antecederam, mesmo aquelas que não venceram.
Como Tite encerrou seu ciclo antes mesmo de saber que resultado obteria no Qatar, seria ótima notícia se Neymar também resolvesse encerrar o dele.
Porque o meu, em Copas do Mundo, tranquilizem-se rara e raro, chegou ao fim.
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Juca Kfouri
Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP