Jogadores bebem das fontes mais modernas de futebol, enquanto o futebol no Brasil se apequenou
O dia seguinte à eliminação é sempre triste. Nem tanto pela derrota, porque ganhar e perder é a vida, mas por perceber que não saímos do lugar. A procura é sempre por um vilão, e não pela reflexão do que melhorou ou piorou nos últimos quatro anos.
Desta vez, existe uma medida objetiva, um símbolo.
De Arrascaeta foi o único jogador de um clube sul-americano a fazer gol nesta Copa. Na Rússia, foram dois. Há oito anos, no Brasil, cinco, como na África do Sul.
Não é possível mais viver em dois mundos. Um, em que se detecta o abismo entre Europa e América no dia 7 de outubro de 2021, data da virada da França sobre a Bélgica e do sufoco para a seleção ganhar da Venezuela. Outro, do suposto favoritismo do Brasil, criado pelas mesmas pessoas que agora julgam absurdo ser eliminado pela Croácia.
Na véspera da eliminação nos pênaltis, Michel Bastos disse no SporTV que seria fácil para a Argentina explicar uma eventual derrota para a Holanda, mas seria difícil fazer compreender uma desclassificação contra a Croácia. O contra-argumento: a Croácia é vice-campeã mundial.
O técnico do Botafogo, Luís Castro, diz que não perceber a força do adversário é o primeiro passo para não vencer. Disputar cinco Copas do Mundo e não chegar às semifinais em quatro significa estar fora da elite.
Ainda que este seja um exagero.
O primeiro andar das seleções inclui todas as que possuem jogadores e treinadores que compartilham conhecimentos na Europa. O Brasil ainda está nele, mas o único setor em que vive essa nobreza é entre os jogadores. Nem técnicos, nem dirigentes, nem a imprensa bebem da mesma água.
Daí, amanhecermos o day after buscando apenas a culpa maior: 1. Neymar não bateu o último pênalti; 2. Tite fez substituições erradas; 3. Tomou contra-ataque faltando quatro minutos para o fim da prorrogação.
Tudo é verdade e, também, tem contra-argumento.
A ordem das cobranças, por exemplo.
O Brasil disputou cinco vezes a classificação em cobranças dos onze metros. Perdeu duas. Em 1986, o melhor batedor era Sócrates. Cobrou o primeiro e desperdiçou. Derrota para a França. Em 1994, o melhor cobrador, embora inseguro, era Bebeto. Ficou por último e não precisou bater. O Brasil venceu antes. Em 2014, contra o Chile, Neymar cobrou o quinto. Marcou.
Fazer tudo certo não garante a vitória.
O legado de Tite é mostrar que técnico de seleção trabalha todos os dias, com uma comissão que assiste e estuda todos os jogos no mundo inteiro.
O retorno à elite mais estreita exige a criação da Liga, a construção de um campeonato forte, que só o Brasil tem condição econômica de realizar na América do Sul. Não é mais possível descobrir que o melhor em campo nas finais da Libertadores e Copa do Brasil tropeça na bola, quando entra na Copa do Mundo, como aconteceu com Éverton Ribeiro, contra Camarões.
Não é culpa dele.
O Brasil segue achando que a íntima relação de seus craques com a bola é suficiente. Perguntávamos quando Neymar seria o melhor jogador do mundo e a resposta, óbvia, sempre foi: quando a seleção voltar a ganhar. E quando o Brasil vai voltar a vencer? Quando voltarmos a fazer parte do mundo, que espalha conhecimento sobre futebol na mesma velocidade em que se liga um celular.
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Paulo Vinicius Coelho
Jornalista, autor de ‘Escola Brasileira de Futebol’, cobriu seis Copas e oito finais de Champions