Diário no Qatar

Deus é argentino (Coluna Crônicas da Copa - 19/12)

Ainda não estava na hora de levantar a taça, era “apenas” a premiação de melhor em campo. Mas ela já era dele e ele não resistiu. Um carinho e um beijo. Uma cena doce, de uma felicidade tão sincera e repleta de significado que, do lado de cá da televisão, uma lágrima caiu e molhou meu sorriso. Um pensamento: “Como eu amo o futebol”.

Messi é campeão do mundo. Mais do que isso. O camisa 10 carregou a Argentina durante a competição. Fez o que sempre cobravam dele em Copas. Liderou. Encarnou o espírito de Maradona, estabeleceu uma ligação de alma com a torcida e inspirou seus companheiros. O que ele nos proporcionou no Qatar foi uma experiência sobre-humana, sem dúvida. Bem-aventurados aqueles que acompanharam a sua jornada.

E que jornada! E que decisão! A melhor da história das Copas? Talvez. Confesso que ainda estou impactado e preciso de certo distanciamento para analisar com calma, pois se me pedissem uma resposta imediata eu teria que dizer que foi não apenas a melhor final de Copa, mas o melhor jogo de futebol que já vi na vida. A França valorizou demais o título argentino. Aliás, a França não. Mbappé. Outro gênio. Que bola é essa, garoto? Aos 23 anos, o futuro é teu.

Mas o presente, ah, esse é, merecidamente, de Messi. É a consagração final de uma carreira perfeita. Quinze anos sempre no auge. Ele até nos acostumou mal. Por vezes, nos últimos tempos, sentia que estávamos naturalizando a magia do craque, como se aquilo que ele entregava em campo toda a semana fosse normal. Não, não era. Nunca vai ser. E vamos sentir muita falta quando ele anunciar o fim, agora bem próximo com a conquista que lhe faltava. Não esqueçam disso: cada vez que Messi joga é motivo para reverenciá-lo.

Não só nós vamos sentir a sua falta. Me pego pensando na bola, essa pobre coitada. Vai entrar em depressão e precisar de terapia, com toda a certeza. Sempre grudada ao seu pé, ela é dócil, obediente, encantada por suas jogadas, seus dribles, golaços, passes, arrancadas, um repertório capaz de encher uma enciclopédia. Paixão assim não acontece todo dia. Messi e a bola. Não são dois. São um só.

Messi é campeão do mundo, enfim. E quem torceu contra Messi nessa final bom da cabeça não é. Do coração muito menos. Meus amigos, até Deus virou a casaca e deixou de ser brasileiro para vestir azul-celeste. Ou vocês vão me dizer que não o viram iluminado após a última cobrança de pênalti que deu o tricampeonato mundial à Argentina? Era simplesmente Messi sendo recebido no panteão de divindades do futebol.

E Messi pode até não ter percebido, o que duvido, mas quando abriu os braços para comemorar, o primeiro abraço que recebeu não foi de nenhum companheiro em campo, e sim dele, claro, Maradona, que, logo em seguida, passou a saltitar pelo gramado, punhos cerrados para cima, chorando de felicidade. Pensando bem, essa Copa, a última de Messi e a primeira sem Don Diego, não poderia mesmo ter outro dono. Destino.

*

A coluna Crônicas da Copa é escrita pelo jornalista Carlos Eduardo Vilaça, editor do caderno Bola.