Brasil e Argentina têm o desafio de evitar a sexta Copa com semifinais apenas entre europeus, a segunda consecutiva. O Marrocos tem a mesma missão, contra Portugal, mas digamos que para a América do Sul é uma questão de honra, porque o campeão vem da Europa há 16 anos.
As eliminações precoces de Espanha, Alemanha e Bélgica provocaram reflexões apressadas, como se fosse um equívoco repetir que a elite do jogo está no velho continente. Veja os Mundiais de Clubes. Antes, os campeões da Libertadores atacavam e os da Liga dos Campeões se defendiam. O eixo se inverteu há quase 30 anos, após a sentença Bosman.
Importante notar a diferença dos torneios de clubes e seleções e atentar ao fato de que De Arrascaeta foi o único jogador de um time da América do Sul a fazer gol no Qatar.
A Copa do Mundo é o momento em que craques de clubes europeus espalham-se para defender suas seleções. Casos de amor, como o de Hakimi, espanhol de nascimento, marroquino por cultura, e dos jogadores de Brasil e Argentina, que gostam de jogar por seus países. Ou episódios contratuais, como dos naturalizados para jogar pelo Qatar.
Os times da Champions League contratam os melhores espanhóis, italianos, portugueses, alemães, brasileiros, argentinos, marroquinos, como Ziyech, do Chelsea, argelinos, como Mahrez, do Manchester City, canadenses, como Davies, do Bayern.
Os mais ricos gastam mais. Daí, há 12 anos ser possível desvendar o campeão da Champions League antes de o torneio começar: Real Madrid, Barcelona, Bayern ou um inglês.
Entre os clubes da América, só o Campeonato Brasileiro pode se tornar competitivo, para fazer parte do primeiro andar do futebol.
Na Copa, isso muda. A Argentina tem Messi, o Brasil tem Neymar e Vinicius Junior, Marrocos pode ganhar da Bélgica, eliminar a Espanha e sonhar em mandar Portugal para Lisboa.
Essa é a razão de o Brasil ser favorito contra a Croácia e a Argentina ter chance de vencer a Holanda.
Muita atenção aos holandeses. Van Gaal nunca perdeu uma partida de Copa. Terminou em terceiro lugar no Brasil, em 2014, com cinco vitórias e dois empates. No Qatar, venceu três e empatou uma vez.
Ele está obcecado por ser campeão e não abre mão de princípios defensivos rígidos, contra-ataque feroz. Cruyff era seu maior crítico. Diz-se que os dois desentenderam-se num jantar em 1989, mas a verdade é que Johan julgava Van Gaal um capataz de jovens jogadores, aprisionados no sistema de aprendizado do Ajax, que a lenda criou e Van Gaal transformou.
Apesar de inimigos, Van Gaal foi atrás dos passos de Cruyff por toda a vida. Dirigiu o Ajax três anos depois de Cruyff e assumiu o Barcelona dois anos após a saída dele.
Johan Cruyff, o maior pensador do futebol, esperou e não foi convidado por Rinus Michels a assumir Holanda na Copa de 1990, apesar dos pedidos de Gullit e Van Basten.
Van Gaal veste-se com gravata cor de laranja pela terceira vez.
Tem certeza de que pode ser campeão do mundo, como seu mestre –e inimigo– jamais conseguiu.
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Paulo Vinicius Coelho
Jornalista, autor de ‘Escola Brasileira de Futebol’, cobriu seis Copas e oito finais de Champions