Ver o Brasil “jogar como Brasil” era, já há algum tempo, um desejo encarado por mim – e acredito que por muitas pessoas – como uma utopia. Uma sensação de que estava sendo apenas nostálgico ou otimista demais, que os tempos são outros, pois os jogadores atuais são levados e moldados na Europa desde bem novinhos e, por isso mesmo, sem a identificação necessária com o nosso povo, o nosso torcedor. Sim, até isso está embutido no pacote de habilidades. Bem, talvez isso esteja mudando.
O que vi diante da Sérvia me animou demais. Não vou nem falar de Vinícius Júnior partindo para cima dos adversários, gingando, driblando, bailando. Ou de Paquetá distribuindo o jogo como um meia clássico, os laterais apoiando o ataque como nunca, em uma busca incessante pelo gol. Hoje quero me ater a um nome específico: Richarlison, pois ele é o que melhor representa essa mudança.
É o camisa 9 popular, que cheira, aliás, cheira não, fede a gol. Está entranhado nele. A bola o procura. Ele não fazia boa partida. Mas é centroavante nato. Leva muito a sério a máxima de Dario Maravilha: “Não existe gol feio. Feio é não fazer gol”. O primeiro do jogo de ontem foi assim. De canela, do jeito que deu para empurrar para as redes, como se estivesse em um campinho de terra batida. Um gol que tantos e tantos moleques repetem todos os dias por esse Brasilzão.
Mas o segundo, não. Esse mostrou que ele saiu do campinho para ser exemplo de crianças e adolescentes que sonham em vestir a camisa de um grande clube, da seleção brasileira, disputar um Mundial e, sim, vencer na vida. A rapidez de raciocínio e de execução da jogada foram tamanhas que nós mesmos, do lado de cá, demoramos alguns segundos para perceber a magnitude do que víamos: um dos gols mais bonitos da história das Copas.
Sempre digo que tem um gol que me fez amar futebol, o de Bebeto na Copa América de 89, contra a Argentina, de voleio. Pois o de Richarlison me fez experimentar um sentimento parecido. De orgulho, de gostar de futebol, de gostar da seleção brasileira. Há tempos não sentia isso. A situação política e social do país, certamente, tem a ver com isso, com a bandeira, cores e camisa capturadas por um nacionalismo exacerbado com características fascistas. Mas os ventos da mudança chegaram. Democraticamente. E Richarlison aproveitou e pegou para si esse protagonismo, recuperando a nossa vontade de ver o Brasil e torcer pela seleção.
Se o time, como um todo, não se posiciona, como outros na Copa estão fazendo, o Pombo está aí e acompanha esse novo movimento. Garoto humilde, veio de baixo e tem consciência disso, empenhando-se em fazer o bem, apoiando causas sociais, fazendo o que pode. Não tem medo de botar a cara a tapa e mostra como se faz. Dentro e fora de campo. Que continue assim!
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A coluna Crônicas da Copa é assinada pelo jornalista Carlos Eduardo Vilaça, editor do caderno Bola