Diário no Qatar

A vez dos 'croacianos' (Coluna do Juca Kfouri)

Foto: Fifa/divulgação
Foto: Fifa/divulgação

Não, não pensem tão mal do colunista a rara leitora e o raro leitor.
Ele sabe usar o gentílico, só quer contar duas historinhas.

A primeira sobre João Mendonça Falcão, cartola folclórico nos anos 1960/70, presidente da Federação Paulista de Futebol, que chamava os belgas de “belgicanos” depois de eles terem goleado a seleção brasileira, bicampeã mundial, por 5 a 1, em Bruxelas, em 1963.

Anos depois, na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, ainda como aprendiz de jornalismo, eu dividia com o saudoso Tão Gomes Pinto as orientações às equipes das revistas Veja e Placar na cobertura da Copa, a que celebrizou a seleção da Holanda, a Laranja Mecânica, do treinador Rinus Michels e do genial Johan Cruyff.
Pois Tão resolveu tratar os holandeses como “holandianos”. E pegou.

Os croatas já fizeram por merecer, desde que surpreenderam o Planeta Bola com o vice-campeonato na Rússia, tratamento igualmente diferenciado. Ainda mais pelo uniforme absolutamente original e inconfundível de bistrô francês.
Serão os “croacianos”, nesta sexta-feira (9), os adversários da seleção pelas quartas de final da Copa no Qatar.

Ora, para quem por excesso de respeito, e por jamais considerar qualquer jogo ganho antes de ser jogado, tinha medo da ingênua Coreia do Sul, que repetiu o erro do amistoso de junho, quando levou de cinco, para levar de quatro na Copa porque a seleção descansou no segundo tempo depois de brilhar no primeiro, a Croácia é mesmo de outro patamar.
A começar do fato de adorar uma prorrogação e de decidir suas desavenças na marca do pênalti.

Assim fez para eliminar os péssimos batedores japoneses, mas não pela primeira vez.
Nesta Copa, empatou com Marrocos e Bélgica sem gols –e goleou o Canadá por 4 a 1, o que o time desta Folha também faria com um pouco de treino. Com o Japão ficou em miserável 1 a 1. E seguiu em frente.

Na Copa da Rússia fez 100% na primeira fase ao passar por Islândia, Nigéria e bater a Argentina por 3 a 0.

Nas oitavas empatou com a Dinamarca em 1 a 1 e a derrotou nos penais, assim como fez com a dona da casa: 2 a 2, e nos pênaltis.

Bateu na Inglaterra por 2 a 1 e, finalmente, perdeu para a França na finalíssima, por 4 a 2.
Merece, portanto, respeito com seus ics, os notáveis Perisic, Petkovic e, sobretudo, o veterano Modric, 37 anos e muita, mas muita sabedoria.

Desnecessário lembrar que a Croácia fazia parte da velha Iugoslávia do Marechal Tito, tida, no futebol, como os brasileiros da Europa.

O time de Tite, que até dançar a dança do pombo agora dança, é melhor, bem melhor, mas a Espanha também era superior a Marrocos e sucumbiu diante da defesa e da torcida africanas.

Copas do Mundo são muito estranhas.

Dos quatro embates que teremos agora, certamente o entre França e Inglaterra é o mais interessante, seguido por Argentina e Holanda e Portugal e Marrocos.

Porque o mundo do futebol considera a questão entre brasileiros e “croacianos” resolvida e antevê a semifinal entre Argentina e Brasil.
Não acredite piamente em tamanha obviedade.

Do seleto clube dos oito campeões mundiais, sobrou a metade nas quartas de final e ninguém apostaria que Portugal enfiaria 6 a 1 na Suíça, para não voltar a falar de Marrocos, cuja torcida tem sido capaz de deixar a argentina no chinelo –e aí inexiste qualquer demérito aos hermanos.

Apenas a constatação de que, se alguém ainda representa o futebol raiz no mundo, são os africanos.

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Juca Kfouri
Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP