
Traumas na infância da mãe, como negligência ou violência física, psíquica ou sexual, podem desencadear ganho de peso excessivo nos filhos de sexo masculino já nos dois primeiros meses de vida, apontou um estudo feito pelo Instituto Nacional de Saúde americano (NIH) em apoio com a FAPESP e publicado na revista Scientific Reports.
O estudo acompanhou 352 pares de recém-nascidos e suas mães nas cidades de Guarulhos e São Paulo e indicou a ocorrência de alterações metabólicas muito precoces nos bebês que, além de resultarem no ganho de peso acima do esperado para a idade, têm o potencial de aumentar o risco futuro de desenvolvimento de obesidade e diabetes.
Conduzida por pesquisadores da Columbia e da Duke University, ambas nos Estados Unidos, e da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp), a investigação tem como foco questões relativas à interação entre mãe e bebê, desenvolvimento e saúde mental e física.
“Observamos que, embora os bebês tenham nascido com o peso dentro dos parâmetros esperados, já nos primeiros dias de vida eles apresentavam um ganho de peso alterado, muito acima do que é preconizado como ideal pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”, conta Andrea Parolin Jackowski, professora da Unifesp e coordenadora do projeto no Brasil.
Segundo a OMS, o ideal seria um ganho de até 30 gramas por dia em bebês durante a primeira etapa de vida. No estudo, no entanto, os bebês do sexo masculino tiveram um ganho de peso de, em média, 35 gramas por dia – sendo que alguns ganharam até 78 gramas por dia.
“Os bebês que participaram do estudo nasceram a termo, com saúde e dentro do peso considerado ideal. Todas as gestações que acompanhamos foram de baixo risco, no entanto, nossos dados mostraram que cada adversidade vivida pela mãe durante a infância aumentava em 1,8 grama por dia o ganho de peso dos bebês. E isso estava restrito ao sexo masculino”, explicou a pesquisadora.
Segundo Jackowski, 70% dos bebês que participaram do estudo estavam em aleitamento materno exclusivo. Os outros 30% estavam em aleitamento misto, ou seja, uma combinação de leite materno e fórmula.
“Isso significa que ingeriam bolacha recheada ou algum outro alimento que pudesse de fato alterar o peso. Portanto, os resultados sugerem a ocorrência de uma alteração metabólica precoce nesses bebês”, diz.
Trauma materno
De acordo com a pesquisadora, o trauma materno durante a infância só teve impacto no peso dos bebês de sexo masculino por causa de variações fisiológicas na placenta associadas ao sexo do feto.
“Os fetos masculinos desenvolvem estratégias para manter um crescimento constante diante de um ambiente intrauterino adverso, acarretando um maior risco de prematuridade e óbito fetal”, explica a pesquisadora.
Além disso, acrescenta que já é de conhecimento que nos casos de adversidade na infância o risco para depressão e ansiedade durante a gestação é maior, podendo acarretar o aumento dos níveis de citocinas pró-inflamatórias e cortisol no ambiente intrauterino.
“Parece que a placenta dos fetos femininos se adapta para protegê-los, diminuindo a taxa de crescimento, sem que ocorra restrição do crescimento intrauterino, ou seja, o tamanho do bebê fica dentro do esperado ao final da gestação, permitindo uma maior taxa de sobrevivência”, diz.
Placenta
Outra questão importante é que a placenta de fetos masculinos tende a ser mais suscetível a flutuações de substâncias e metabólitos presentes na corrente sanguínea materna em comparação às placentas femininas. Tornando-as mais permeáveis e expostas a fatores inflamatórios.
O trabalho é o primeiro a revelar o trauma intergeracional como um desencadeador de alterações físicas de forma tão precoce. Agora, a equipe de pesquisadores, que inclui Vinicius O. Santana, e a bolsista da FAPESP de pós-doutorado Aline C. Ramos vai acompanhar a trajetória do peso dos filhos de mães que sofreram adversidades na infância até eles completarem 24 meses.
“Não se trata de determinismo. Precisamos acompanhar como o metabolismo e os fatores inflamatórios desses bebês vão se comportar por mais tempo para poder entender como modular esse processo. É importante saber que tudo isso é modificável e vamos agora investigar como intervir”, diz Jackowski.
(Ag. O Globo)