SAÚDE

Planos de saúde vão atender pacientes do SUS em troca de dívidas

De acordo com a pasta, o edital com as regras para adesão voluntária pelos planos ao programa será publicado na próxima segunda-feira, dia 4.

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 Foto: Freepik
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A partir deste mês, parte dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) poderão ser atendidos gratuitamente por planos de saúde privados no programa Agora Tem Especialistas, do Ministério da Saúde. A medida, anunciada nesta semana, permitirá que as operadoras troquem dívidas com o governo pela prestação de serviços aos usuários da rede pública.

De acordo com a pasta, o edital com as regras para adesão voluntária pelos planos ao programa será publicado na próxima segunda-feira, dia 4. Uma semana depois, no dia 11, o sistema para as operadoras se cadastrarem será aberto. Depois, o ministério avaliará se o plano segue os critérios necessários. Se aprovado, os serviços serão ofertados ao SUS.

– Os planos de saúde solicitam participação, o ministério cruza os serviços ofertados com as necessidades apontadas pelos estados e municípios e, depois que as adesões forem aprovadas, começam os atendimentos em áreas em que há carência de atendimento lá na ponta, como oncologia e ginecologia. Com esse reforço dos hospitais privados, menor será o tempo de espera no SUS – afirma o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ao GLOBO.

Abaixo, tire as principais dúvidas sobre o programa.

Por que pacientes do SUS serão atendidos por planos de saúde?

O atendimento pelos planos é parte do novo programa Agora Tem Especialistas, que busca utilizar a estrutura privada do país para ampliar o acesso à atenção especializada, como cirurgias, consultas e exames, e reduzir as longas filas enfrentadas por pacientes do SUS.

Numa primeira etapa do programa, os hospitais passaram a poder quitar suas dívidas realizando procedimentos da rede pública.

Isso porque a legislação brasileira obriga os planos a ressarcirem o poder público quando um de seus beneficiários utiliza um serviço especializado do SUS, o que não é cumprido na prática, explica Ligia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ):

– Acho uma iniciativa positiva, porque essas dívidas nunca serão efetivamente pagas. Porque os planos judicializam os valores, que viram ativos financeiros, que é o pior dos mundos. Então trocá-las por serviços ao SUS é uma boa ideia.

De acordo com a pasta, há uma dívida estimada em R$ 1,3 bilhão, dos quais espera-se que R$ 750 milhões sejam quitados com a oferta de serviços para o SUS em 2025. Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), também vê o projeto com bons olhos:

– No SUS, a atenção básica é bem sucedida, apesar de seus problemas, o principal nó é na chamada média e alta complexidade. Desatar esse nó, mesmo que não completamente, porque o passivo é muito grande, é algo positivo. O ideal seria que o SUS tivesse condições de solucionar as filas sozinho, mas é difícil pensar em quanto tempo levaria para conseguir isso, se é que conseguiríamos um dia.

A partir de quando o atendimento poderá ser feito pelo plano de saúde?

A partir do dia 11, as operadoras de saúde poderão se cadastrar voluntariamente no programa. Apenas depois, com a liberação pelo ministério, é que os serviços começarão a ser ofertados ao SUS. Espera-se que os primeiros atendimentos para pacientes da rede pública sejam realizados em agosto.

Como é o processo para os planos aderirem?

Depois da publicação do edital e da abertura para cadastro, os planos deverão solicitar a adesão ao programa via plataforma InvestSUS. Para isso, haverá alguns critérios, como comprovação de capacidade técnica e operacional e disponibilização de uma matriz de oferta que atenda às necessidades do SUS.

As operadoras, por exemplo, precisarão realizar mais de 100 mil atendimentos por mês, para evitar a pulverização dos serviços. Em regiões que têm menos instituições e grande demanda, planos de saúde de menor porte, com um atendimento mínimo de 50 mil por mês, poderão aderir.

O paciente pode escolher ser atendido pelo plano?

Não. O paciente que utiliza a rede pública buscará uma unidade de saúde normalmente. O encaminhamento para um atendimento especializado por plano de saúde ou por um serviço público será feito pelo complexo regulatório que administra a fila do SUS na região, explica Padilha:

– O caminho continua o mesmo, mas agora vai andar mais rápido, porque, com o reforço dos hospitais dos planos de saúde, o SUS vai ofertar mais cirurgias, exames e consultas.

É possível escolher em qual hospital privado o paciente será atendido?

Não. Da mesma forma que o paciente não poderá escolher ser atendido ou não por um plano de saúde, não será possível selecionar para qual unidade ele será encaminhado.

Haverá prioridade para alguma região ou especialidade médica?

Para garantir mais serviços nas localidades com maior demanda, a participação dos planos será dividida em 36,5% para a região Sudeste; 24% para o Nordeste; 11,5% para o Sul; 10% para o Centro-Oeste e 10% para a região Norte. Outros 10% serão reservados para contratação de serviços estratégicos em qualquer região.

Além disso, o programa Agora Tem Especialistas como um todo prioriza seis áreas em que há maior carência de serviços especializados: oncologia; oftalmologia; ortopedia; otorrinolaringologia; cardiologia e ginecologia. Mas também será considerada a demanda apresentada pelos estados e municípios.

Os planos poderão dar prioridade aos pacientes do SUS?

Não. Na coletiva de anúncio do programa, a diretora-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Carla de Figueiredo Soares, destacou que a iniciativa incluirá mecanismos de fiscalização, com possibilidade de multas e penalidades, e que “não há qualquer espaço para que operadoras deixem de atender sua carteira de clientes para priorizar o SUS”.

Para Gustavo Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde, o programa traz “uma evolução significativa na integração entre os sistemas público e privado de saúde no Brasil”.

Quais os desafios no programa?

A medida, embora vista com bons olhos por especialistas, traz desafios. Guimarães pontua, por exemplo, que será difícil precificar os serviços prestados pelos planos em relação à dívida e saber se eles vão aderir ao programa, já que historicamente resistem a pagar os ressarcimentos ao SUS.

Ligia ressalta ainda que o sucesso da iniciativa também depende se apenas operadoras com baixa cobertura vão demonstrar interesse:

– Se elas devem ao SUS, significa que a cobertura já é restrita, porque seus beneficiários buscam muito a rede pública. E precisamos pensar na qualidade e dignidade desse serviço, sem estigma para pacientes do SUS.

Se bem sucedida, ela acredita que a medida poderia se transformar numa política de Estado permanente, o que resolveria a falta de pagamento das dívidas. Porém, isso demandaria um desenho com mais fiscalização e governança, defende.

Texto de: Bernardo Yoneshigue