A mudança climática está piorando muito os principais determinantes da tuberculose, como desigualdade, deslocamentos e insegurança alimentar, ao mesmo tempo que eventos agudos, como secas e inundações, dificultam ainda mais o acesso e a manutenção dos tratamentos.
A afirmação é do médico Jeremy Farrar, 63, cientista chefe da OMS (Organização Mundial da Saúde) e professor de medicina tropical da Universidade de Oxford, que participa do Fórum Global de Vacinas contra Tuberculose, que começa nesta terça (8), no Rio de Janeiro.
Segundo ele, o impacto climático ocorre por meio de três vias: a desnutrição enfraquece o sistema imunológico, tornando os indivíduos mais suscetíveis à tuberculose; o deslocamento em massa e a migração levam à superlotação e às más condições de moradia, aumentando o risco de infecção e transmissão.
Por fim, as interrupções no sistema de saúde causadas por eventos climáticos extremos impactam as cadeias de suprimentos e o acesso ao tratamento, atrasando o diagnóstico e o tratamento da tuberculose, aumentando as taxas de transmissão e contribuindo para resultados adversos à saúde.
No Brasil, a taxa de incidência da tuberculose vem crescendo: passou de 35,6 por 100 mil, em 2003, para 39,8% em 2023, segundo dados do Ministério da Saúde. Amazonas e Rio de Janeiro estão na liderança com, coeficiente de 86,3 e 71,7 casos por 100 mil.
No ano passado, foram diagnosticados 84.858 novos casos, dos quais 68% em homens, com idade média de 40 anos. Os negros (pardos e pretos) respondem por 60,6% dos registros. A taxa de morte geral ficou em 6%, mas entre populações vulneráveis, como a população de rua, atingiu 22%.
Para Jeremy Farrar, é importante que os sistemas de saúde estejam resilientes ao clima e que incluam pacotes de serviços essenciais para tuberculose como parte de programas de mitigação de risco, além de mecanismos de financiamento.
De acordo com ele, pesquisas indicam que, em média, metade das pessoas com tuberculose e suas famílias enfrentam custos totais (incluindo despesas médicas diretas, pagamentos diretos não médicos e custos indiretos, como perda de renda), que excedem 20% da renda familiar anual.
Acabar com a epidemia requer acesso universal a serviços sociais e de saúde e uma abordagem integrada de diagnósticos, novas vacinas e tratamento, segundo Farrar.
Em 2023, havia pelo menos 15 novas vacinas candidatas, 28 medicamentos e vários testes de diagnóstico em fase de ensaios clínicos, embora muitos deles ainda estejam em estágios iniciais de desenvolvimento e com financiamento muito limitado.
Atualmente, a única vacina contra a tuberculose (BCG), dada no nascimento, previne a a meningite tuberculosa e tuberculose miliar em crianças pequenas, mas tem eficácia limitada contra infecção em adultos e adolescentes_onde estão concentrados 90% dos casos da doença.
“A modelagem indica que uma vacina que previna doenças em adolescentes e adultos será a maneira mais eficaz de reduzir tanto a incidência de casos de tuberculose quanto a transmissão de novas infecções por Mycobacterium tuberculosis [Mtb], em todas as faixas etárias”, diz Farrar.
Ele afirma ainda que um número significativo de pessoas no mundo não está sendo diagnosticado e encaminhado para tratamento. A cobertura global do tratamento foi de 70% em 2022, e isso foi muito menor para crianças de 14 anos ou menos (49%).
“Testes acessíveis que possam ser usados para detectar a tuberculose no nível de atenção primária à saúde, em ambientes de poucos recursos, precisam ser desenvolvidos.”
A resistência aos medicamentos antimicrobianos também é um problema global crescente.
“Continua a ceifar um número significativo de vidas, e a taxa global de sucesso do tratamento permanece baixa.”
Segundo dados da OMS, a taxa de sucesso do tratamento para tuberculose resistente a medicamentos é de 63%. Em 2022, apenas duas em cada cinco pessoas com tuberculose resistente a medicamentos tiveram acesso ao tratamento.
Na opinião de Farrar, o desenvolvimento de regimes de combinação mais seguros, eficazes e mais curtos e baratos para tratar todas as formas de tuberculose resistente a medicamentos é necessário, inclusive para as populações mais vulneráveis, como crianças, mulheres grávidas e lactantes, pessoas vivendo com HIV e comunidades deslocadas.