DANIELLE CASTRO
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – A melatonina, hormônio liberado pelo corpo quando chega a hora de dormir, tem sido cada vez mais apontada pela ciência como intensificador da fixação das memórias de longo prazo. Um estudo conduzido no Japão, contudo, não apenas confirmou essa qualidade, como também revelou parte de como acontece esse processo, abrindo caminhos para futuras terapias.
A descoberta é um avanço na possibilidade de novos tratamentos, sobretudo relativos a esquecimentos provocados pelo aumento da idade. Os resultados foram publicados em junho na revista NeuroReport por pesquisadores da Universidade Sophia, em Tóquio, e está na fase de testes com animais.
O artigo descreve um processo fisiológico molecular chamado fosforilação, que envolve modificação de certas proteínas nas células nervosas cerebrais e leva à consolidação do reconhecimento de algo já visto. Após uso de melatonina, os ratos observados tiveram alterações nos níveis de fosforilação de cinco proteínas-chave da formação da memória de longo prazo, permitindo aos autores detectar mecanismos de aumento da memória induzidos pela substância.
Em nota da universidade, o autor principal do estudo, o professor Atsuhiko Chiba, do Departamento de Materiais e Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia, contou que o objetivo da pesquisa foi explorar vias de sinalização dos receptores da melatonina.
A equipe, composta também pelos doutores Masahiro Sano, da Universidade de Tohoku, e Hikaru Iwashita, da Universidade Médica de Kansai, investigou os efeitos de três compostos ligados à substância na formação da memória.
Além do hormônio do sono em si, eles analisaram também o N1-acetil-5-metoxiquinuramina (AMK), composto biológico resultante da metabolização da melatonina, e o ramelteon, droga que se liga e ativa o receptor de melatonina.
O estudo foi feito apenas com camundongos machos para evitar “qualquer provável variabilidade de dados resultante dos ciclos reprodutivos que ocorrem em fêmeas de mamíferos”.
Testando a memória
A formação de memória de longo prazo nos animais foi avaliada por meio de uma série de experimentos de reconhecimento de objeções pelos ratos, que por três dias seguidos foram colocados em uma arena por 5 minutos diários.
No quarto dia, dois objetos idênticos foram colocados no espaço do experimento e os ratos puderam os explorar por 5 minutos, no que foi chamado de “fase de treinamento”. No dia seguinte, um dos dois objetos foi substituído por um novo e os ratos passaram mais tempo explorando o desconhecido que o já familiar, comprovando a fixação da memória daqueles primeiros itens.
Na etapa seguinte, foram analisados os efeitos das substâncias no hipocampo cerebral, área que é o centro de aprendizagem e memória do cérebro dos mamíferos. “Experimentos iniciais mostraram claramente que a administração de melatonina, ramelteon ou AMK na dose de 1 mg/kg facilitou a formação de memória de longo prazo”, afirmaram os pesquisadores.
Riscos da automedicação
O farmacêutico bioquímico Rafael Appel Flores, pesquisador e diretor científico na empresa Dr. Fisiologia, é pós doutorado em neuroendocrinologia pela Universidade de São Paulo (USP) e vê com otimismo a recente descoberta japonesa, mas lembra que é uma fase preliminar.
“Isso abre portas para desvendar o papel da melatonina, inclusive no tratamento de quem têm perda de memória e dos mais idosos, mas, por mais que o modelo se aproxime muito do que acontece em humanos, não dá para a gente transpor isso de forma completa, é preciso estudos em pessoas para chegar às mesmas conclusões”, diz.
O especialista destaca ainda que a melatonina não é o único agente da memória, pois há outros fatores envolvidos, como dormir ou fazer pausas nos estudos.
“Diversas pesquisas, inclusive em humanos, demonstram, por exemplo, que uma noite de sono bem dormida, com mais de sete ou oito horas, depois de estudar ou aprender novos conhecimentos, é fundamental para consolidar novas memórias”, afirma.
A principal função da melatonina está relacionada à regulação dos ritmos circadianos que são os padrões biológicos de atividade e repouso que se repetem aproximadamente a cada 24 horas. A produção dessa substância é feita pela glândula pineal, que é sensível à luz e sincroniza o nosso relógio biológico interno.
“Nós, seres humanos, somos diurnos, utilizamos o período de luz para exercer nossas principais atividades e o noturno para ajustar certos processos biológicos, como o da melatonina, que aumenta no corpo quando está escuro e diminui quando há exposição da luz, desempenhando um papel crucial no controle de sono e vigília”, afirma o bioquímico.
Como esse hormônio regulador é naturalmente produzido pelo corpo, a melatonina não deve ser consumida por conta própria. Quando recomendada para melhorar o sono costuma funcionar apenas para os que têm alguma deficiência em sua produção, o que torna uma avaliação médica imprescindível.