Em meio aos benefícios para a saúde do crescimento de esportes como corrida, natação, triatlo, entre tantos outros, especialistas alertam para dois riscos pouco falados, mas bastante prevalentes, que podem surgir quando o treino é realizado em excesso e sem os devidos cuidados, mesmo entre atletas amadores: a síndrome de overtraining e a síndrome da deficiência energética relativa no esporte (RED-S).
Os quadros foram tema importante no Congresso Brasileiro de Atualização em Endocrinologia e Metabologia (CBAEM 2025), em Gramado (RS). Um dos principais efeitos na saúde desse excesso, alertaram os especialistas presentes, é o impacto na produção de hormônios.
Ricardo Oliveira, mestre pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Câmara Técnica de Endocrinologia do Conselho Federal de Medicina (CFM), conta que os quadros estão ligados a uma maior produção de cortisol, que é o hormônio de estresse, e a uma queda nos hormônios T3 e T4, produzidos pela tireoide e que regulam diversas funções no corpo:
“O cortisol é o principal hormônio do estresse, e o exercício por si só já é uma atividade que gera estresse, então gera uma hiperestimulação crônica. Nos indivíduos que têm síndrome de overtraining, de 40% a 75% podem ter uma alteração no ritmo circadiano do cortisol, produzindo mais à noite. A longo tempo, atletas de endurance podem ter também uma queda da testosterona. Até exercício demais pode ser veneno”, afirma Oliveira.
As síndromes podem acometer homens e mulheres, embora a RED-S fosse mais associada, no passado, à população feminina. Isso porque um dos primeiros sinais entre as mulheres é a amenorreia, quando ela deixa de menstruar, facilitando o diagnóstico. Isso acontece justamente pelo impacto na produção de um outro hormônio, o estrogênio.
Overtraining e RED-S: Entenda as Diferenças
O overtraining e a RED-S são semelhantes, mas Andréa Fioretti, coordenadora do departamento de Endocrinologia do Esporte e Exercício da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), explica que eles se diferem na sua origem.
Enquanto o overtraining é relacionado especificamente ao excesso de exercício, ultrapassando a capacidade de recuperação do corpo, a RED-S diz respeito a um balanço energético negativo, que pode ser causado tanto pelo gasto calórico muito alto devido ao overtraining, como por uma alimentação insuficiente para suprir as calorias diárias necessárias.
“São problemas que dialogam. Na RED-S, o paciente não tem energia suficiente para funções básicas do organismo. Então ele come, mas gasta tudo o que consome no exercício, sem sobrar para as outras funções do corpo. Uma revisão da literatura com 49 estudos e 6 mil indivíduos mostrou que em torno de 45% dos atletas de alto rendimento têm alterações ligadas à RED-S. Mas ela é pouco diagnosticada”, diz ela, que é especialista do Núcleo de Endocrinologia do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Sono e Alimentação: Fatores de Risco
No caso do overtraining, Ricardo Oliveira explica que, além de treinar demais, um fator de risco importante é ter um sono curto ou de má qualidade:
“É comum vermos pacientes que vão dormir 0h, 0h30 e acordam às 5h para pedalar porque é mais seguro nesse horário. Alguns sinais comuns de alerta da síndrome são queda de rendimento inexplicável, estar sempre fadigado, perda de massa muscular sem mudar o treino, queda de libido e alterações de humor ou sono”, explica.
Andréa alerta que dietas da moda, como jejum intermitente e sem carboidrato, não devem ser adotadas por atletas. Isso porque quem pratica atividade física com mais frequência precisa de depósito de glicogênio nos músculos, que são usados como energia no exercício.
“Sem carboidrato, ele não forma essas reservas. Então, muitas vezes, o atleta fica se entupindo de proteína quando ele precisa de uma dieta equilibrada de carboidrato, de proteína e até de gordura para produzir seus hormônios da maneira correta”, explica.
Sintomas de Overtraining e Deficiência Energética
*Irregularidade ou interrupção da menstruação
*Queda no rendimento esportivo
*Fadiga crônica
*Alterações no humor
*Distúrbios do sono
*Queda de libido
*Aumento de lesões
*Perda (ou não ganho) de massa muscular