AVANÇO

Medicamento reduz em 96% o risco de contaminação pelo HIV

Lenacapavir: o medicamento injetável que pode reduzir em 96% o risco de infecção pelo HIV. Saiba mais sobre sua eficácia comprovada.

Nos testes, que envolveram cerca de 3,3 mil participantes, as aplicações semestrais levaram a uma redução de 96% no risco de contaminação.
Nos testes, que envolveram cerca de 3,3 mil participantes, as aplicações semestrais levaram a uma redução de 96% no risco de contaminação.

Um estudo clínico publicado nesta quinta-feira na revista científica New England Journal of Medicine (NEJM) comprovou a eficácia do lenacapavir, um novo medicamento injetado apenas duas vezes ao ano, para prevenir uma infecção pelo HIV. Nos testes, que envolveram cerca de 3,3 mil participantes, as aplicações semestrais levaram a uma redução de 96% no risco de contaminação.

O trabalho, chamado de Purpose-2, é o segundo a confirmar a alta eficácia do fármaco – em julho deste ano, os primeiros resultados, do Purpose-1, foram publicados pela farmacêutica Gilead Sciences no mesmo periódico. O medicamento já é vendido com o nome comercial de Sunlenca, porém apenas para o tratamento de casos de HIV multirresistentes, e não como estratégia de profilaxia pré-exposição (PrEP), ou seja, de prevenção para pessoas não infectadas.

A PrEP para o HIV não é algo novo, porém hoje é feita por meio de comprimidos que precisam ser tomados diariamente. Essa modalidade também tem uma alta eficácia, que chega a ser superior a 90%, e está disponível no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017. No entanto, a adesão diária aos comprimidos é um desafio no tratamento.

Por isso, laboratórios têm desenvolvido versões de longa duração, que possam ser administradas apenas algumas vezes ao ano, explica Colleen Kelley, principal autora do novo estudo e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Emory, nos Estados Unidos, onde codirige o centro de pesquisa em Aids:

– O que observamos ao longo do tempo é que cerca de metade das pessoas que começam a tomar PrEP oral diária param dentro de um ano devido a vários fatores. Ter um injetável eficaz que só é necessário duas vezes por ano é muito importante para pessoas que têm dificuldade de acessar serviços de saúde ou de manter a adesão às pílulas.

Até então, o medicamento mais avançado de longa duração era o cabotegravir, da GSK, que precisa ser aplicado somente a cada dois meses. Ele chegou a ser aprovado pela Anvisa em junho do ano passado. Agora, o lenacapavir surge como uma estratégia promissora por promover a alta eficácia, mas com somente uma aplicação a cada semestre.

– Ver esses altos níveis de eficácia, de quase 100%, em um injetável que as pessoas só precisam tomar a cada seis meses é incrível. É um avanço considerável e profundo na medicina, especialmente para pessoas cujas circunstâncias não permitem que tomem um medicamento oral diário e para aquelas que fazem parte de populações desproporcionalmente afetadas pelo HIV – celebra Colleen.

Programa recebe notícia ‘com entusiasmo’

Quando os primeiros dados do remédio foram divulgados, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) emitiu um comunicado em que disse “receber com entusiasmo” e que a inovação “oferece esperança de acelerar os esforços para acabar com a Aids como ameaça à saúde pública até 2030”.

Esse maior esforço para alcançar o objetivo é necessário já que, embora as lideranças mundiais tenham se comprometido a reduzir as novas infecções anuais pelo HIV para menos de 370 mil, em 2023 houve 1,3 milhão de novos diagnósticos, mais de três vezes a meta atual.

Segundo a Gilead, a expectativa é que em breve a farmacêutica dê início aos pedidos de aprovação para uso do medicamento “em regiões ao redor do mundo”.

O novo estudo teve o diferencial de envolver um público mais diverso. Enquanto o primeiro trabalho analisou apenas mulheres cisgênero (que se identificam com o gênero atribuído ao nascerem) em regiões da África Subsaariana, o Purpose-2 englobou indivíduos de diferentes gêneros, como homens cis e pessoas trans, e de diferentes etnias – foi conduzido em 88 centros de pesquisa no Peru, Brasil, Argentina, México, África do Sul, Tailândia e Estados Unidos.

Ao todo, 3.265 voluntários foram divididos em dois grupos: dois terços deles (2.179) foram incluídos no primeiro, que recebeu o lenacapavir injetável a cada seis meses, e um terço (1.086) utilizou a PrEP diária em comprimidos. No final do estudo, dois casos de HIV foram identificados no primeiro grupo, e nove no segundo.

A primeira análise comparou a incidência entre os que receberam o lenacapavir em relação à incidência do HIV em uma amostra separada de 4.634 pessoas que não receberam os medicamentos. Os resultados mostraram uma eficácia de 96% associada às injeções semestrais.

Em outubro, a Gilead anunciou acordos com seis fabricantes para produzir e vender versões genéricas do medicamento em 120 países de alta incidência de HIV e com recursos limitados.

Texto de: Bernardo Yoneshigue (AG)