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Leishmaniose: Uma das doenças tropicais negligenciadas 

Foto: Divulgação
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Cintia Magno

Causada por um protozoário transmitido através da fêmea de um mosquito que se alimenta de sangue, a leishmaniose é apontada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas américas, como um importante problema de saúde pública. De acordo com a organização, globalmente, a leishmaniose está entre as dez principais doenças tropicais negligenciadas, com mais de 12 milhões de pessoas infectadas no mundo.

A chefe do Laboratório de Pesquisa em Leishmanioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Elisa Cupolillo, aponta que a leishmaniose é uma preocupação de saúde pública também no Brasil, uma vez que a doença é endêmica no país como um todo, sendo registrada de Norte a Sul. “A leishmaniose visceral, hoje, aparece em praticamente todas as unidades federativas, com exceção de poucos estados da região Norte, o que não é o caso do Pará”, pontua.

“E a leishmaniose tegumentar é encontrada em todos os estados brasileiros, em alguns com maior incidência do que em outros. Mas ela é endêmica, tanto a leishmaniose visceral, quanto a tegumentar. Na região Norte, nós temos a leishmaniose tegumentar causada por diversas espécies de leishmania, e em algumas áreas da região Norte nós também temos a leishmaniose visceral, causada pela leishmania infantum”.

A especialista explica que a leishmaniose é um complexo de doenças causadas por um protozoário, um parasita do gênero leishmania. “É um parasita transmitido por um inseto hematófago, ou seja, a fêmea se alimenta de sangue e pode transmitir esse protozoário para diferentes mamíferos, incluindo o ser humano. Esses insetos são conhecidos como flebotomíneos, ou também tem alguns nomes populares como cangalinha, mosquito-palha, entre outros. São insetos bem pequenininhos, que gostam de matéria orgânica e lugar com mais umidade para sua reprodução”.

  • Manifestações clínicas dependem do tipo de leishmaniose 

As leishmanioses são ditas como complexos de doença porque envolvem uma série de manifestações clínicas, destacando-se dois quadros principais: a leishmaniose tegumentar e a leishmaniose visceral. A leishmaniose tegumentar inclui a leishmaniose cutânea e a leishmaniose mucosa, que é caracterizada principalmente por lesões na pele. “Geralmente essas lesões são lesões ulceradas (parece uma úlcera no meio), com bordas altas, e podem ser únicas ou múltiplas, mas também essas lesões cutâneas podem ser do tipo nodular, o que vai depender muito da resposta do hospedeiro e também tem uma relação forte com o tipo de parasita, uma vez que existe uma série de espécies de leishmania que causam a leishmaniose, principalmente a leishmaniose tegumentar”.

A dra Elisa Cupolillo explica, ainda, que a forma mucosa pode ser uma forma de evolução mais tardia, situação em que um tempo depois da leishmaniose cutânea se tem o acometimento da mucosa, geralmente mucosa oral ou nasal. Ainda assim, também há possibilidade de a forma cutânea e mucosa aparecerem simultaneamente.

“Muitas vezes o paciente já tem o parasita, ele tem a lesão cutânea em algum local do corpo, e algumas vezes esse parasita também está ali instalado na mucosa, mas sem causar nenhuma agressão, sem causar doença, e com o tratamento ele acaba sendo eliminado. Mas, às vezes, ele continua ali escondidinho e um tempo depois a doença na mucosa oral ou nasal aparece”.

VISCERAL

Já a leishmaniose visceral, no Brasil, é causada majoritariamente por uma única espécie, chamada de leishmania infantum. Essa leishmania tem um direcionamento para vísceras, para medula óssea, para linfonodos, também para o fígado, para o baço, por isso o nome de leishmaniose visceral. Logo, nesse quadro, ocorre um aumento desses órgãos, como o fígado e o baço, e geralmente um inchaço abdominal em função disso. “Ela tem uma associação forte, com maior gravidade, em indivíduos imunossuprimidos, geralmente infectados pelo vírus HIV ou outras imunossupressões, como transplantados”, pontua a chefe do Laboratório de Pesquisa em Leishmanioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Elisa Cupolillo.

  • Leishmaniose tegumentar e visceral 

A pesquisadora Elisa Cupolillo alerta que tanto na leishmaniose tegumentar, quanto visceral, o tempo para o tratamento é muito importante. Quanto mais cedo é feito o diagnóstico, mais rápido é feito o tratamento e maior é a chance de cura, já que existe uma relação direta entre tempo de evolução da doença e início do tratamento e cura.

“A infecção pode acontecer desde uma infecção assintomática, sem a doença, mas o indivíduo está infectado e a doença pode vir a aparecer muito tempo depois da infecção; ou ele pode ser infectado e desenvolver logo a doença, isso depende de uma série de fatores que incluem desde o sistema imunológico da pessoa, como características do parasita mesmo. Mas a doença, sim, pode evoluir para quadros graves, se não tratada adequadamente e se o tratamento também for tardio. Quanto mais tarde se inicia o tratamento da leishmaniose, pior é a resposta, podendo evoluir para quadros graves”.

PREVENÇÃO

Para evitar a infecção pelo parasita, dra. Elisa explica que não existe nenhum medicamento que previna a infecção por leishmania, mas, assim como outras doenças transmitidas por insetos vetores, o uso de repelentes, de roupas adequadas e a não exposição em horários de picos de presença desses insetos é bastante importante.

Neste conjunto de ações, outro ponto importante destacado pela pesquisadora é o cuidado com o entorno das residências. “Existe a transmissão em mata, que geralmente está associada com atividades de trabalho das pessoas ou atividades de lazer. Essa é a transmissão mais silvestre, em que a prevenção é mais através do uso de roupas adequadas e repelentes, mas existe também a transmissão doméstica e principalmente peridoméstica”, aponta.

“Uma iniciativa muito importante nessas situações, em áreas onde você tem essa transmissão doméstica ou peridoméstica, é a limpeza do quintal, evitar acúmulo de matéria orgânica, evitar acúmulo de folhas, galinheiros. A presença de galinheiros contribui muito para a proliferação desses insetos, então, se você tiver galinheiro, chiqueiro, deve manter sempre muito limpo, com muito cuidado, uma manutenção diária para que esses insetos não proliferem”.

  • LEISHMANIOSES EM NÚMEROS

85.552

casos de leishmaniose tegumentar foram registrados no Brasil no período entre 2016 e 2020, uma média de anual de 17.110,4 casos.

47.609

casos de leishmaniose visceral foram registrados no Brasil entre 2016 e 2020, uma média de 9.521,8 casos por ano.

55%

dos municípios brasileiros registraram casos de leishmaniose tegumentar no período de 2016 a 2020 e 53,3% registraram casos de leishmaniose visceral.

2.261

óbitos por leishmanioses foram registrados no país entre 2016 e 2020.

Fonte: Boletim Epidemiológico Doenças Negligenciadas no Brasil – Número Especial – 31 de janeiro de 2024 – Ministério da Saúde – Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente.

SINTOMAS

As Leishmanioses tegumentares causam:

*lesões na pele, mais comumente ulcerações e, em casos mais graves (leishmaniose mucosa), atacam as mucosas do nariz e da boca.

A Leishmaniose visceral afeta as vísceras (ou órgãos internos), sobretudo fígado, baço, gânglios linfáticos e medula óssea, podendo levar à morte. Os sintomas incluem:

*febre;

*emagrecimento;

*anemia;

*aumento do fígado e do baço;

*hemorragias, e

*imunodeficiência.

TRANSMISSÃO

A leishmania é transmitida ao homem e a outras espécies de mamíferos por insetos vetores ou transmissores, conhecidos como flebotomíneos. A transmissão acontece quando uma fêmea infectada passa o protozoário a uma vítima, enquanto se alimenta de seu sangue. Tais vítimas, além do homem, são vários mamíferos silvestres, como a preguiça, o gambá, roedores, canídeos, e domésticos, como cão, cavalo etc.

Os flebotomíneos são pequenos insetos voadores, de cor amarelada. No Brasil, são conhecidos por diferentes nomes de acordo com sua ocorrência geográfica, como tatuquira, mosquito palha, asa dura, asa branca, cangalhinha, birigui, anjinho, entre outros.

Fonte: Agência Fiocruz de Notícias.