Dr. Responde

Hanseníase: o que você precisa saber sobre a doença

Cláudio Salgado, professor titular do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará (UFPA) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH). Foto: Arquivo pessoal
Cláudio Salgado, professor titular do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará (UFPA) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH). Foto: Arquivo pessoal

Cintia Magno

Apontado como o 2º país no mundo com mais casos de hanseníase em números absolutos, ficando atrás apenas da Índia, o Brasil concentra mais de 90% das pessoas diagnosticadas com a doença nas Américas. Os números apontados pela Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) chamam a atenção para o impacto causado pela doença que, apesar de tratável e curável, ainda é um problema de saúde pública no país.

Lançado neste ano pelo Ministério da Saúde, o Boletim Epidemiológico Doenças Negligenciadas no Brasil aponta que no período de 2016 a 2020 foram registrados 126.726 casos de Hanseníase no país, uma média anual de 25.345,2 casos. Ainda de acordo com o documento, entre as principais Doenças Tropicais Negligenciadas registradas no Brasil no período de 2016 a 2020, a hanseníase ficou em segundo lugar, com 21,7% dos casos, atrás apenas do acidente ofídico (25,3% dos casos).

O professor titular do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará (UFPA) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), Cláudio Salgado, explica que a hanseníase é uma doença causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae e que tem uma característica muito específica: a capacidade de invadir o sistema nervoso periférico do indivíduo, que são os nervos presentes nos braços, nas pernas e na face. “São os nervos que os nossos músculos usam para se movimentarem, para abrir e fechar os olhos, para abrir fechar a boca, para fazer os movimentos da face, para movimentar a mão e o pé. Esses músculos todos dependem do sistema nervoso periférico”, esclarece. “E essa bactéria entra no nervo e degenera esse nervo, então, a hanseníase é uma doença neurodegenerativa. Isso é uma coisa que as pessoas pouco falam”.

Cláudio considera que, normalmente, as pessoas associam a hanseníase a uma doença de pele, o que não é verdade. A doença se manifesta na pele, mas o principal local de atuação da bactéria é o sistema nervoso periférico. “O bacilo pode se disseminar por todo o organismo, então, se tem bactéria em todos os lugares, nas glândulas suprarrenais, no fígado, no baço, por exemplo. Se tem a bactéria em praticamente todos os lugares, mas, com a predileção pelo sistema nervoso periférico”.

 

PROBLEMAS SENSORIAIS

Como consequência disso, quando essa bactéria entra no sistema nervoso periférico e causa essa neurodegeneração, o paciente começa a apresentar problemas sensoriais, como perda de sensibilidade em algumas áreas do corpo, que podem se configurar como importantes sinais da hanseníase. “A pessoa pode ter uma perda de sensibilidade em uma parte do braço, no dorso da mão, em uma parte da face, qualquer lugar do tegumento pode ter uma perda de sensibilidade. E além dessa perda de sensibilidade, pode haver perda de lubrificação dessa pele porque as glândulas que fazem a lubrificação, as glândulas sudoríparas e as glândulas sebáceas, são inervadas e elas dependem dessa inervação para poderem liberar suor, por exemplo”, explica o Dr. Cláudio Salgado. “Então, você tem áreas com alterações de sensibilidade que podem ter também alteração de sudorese, de suor, e que podem ter perda de pelo porque os pelos da nossa pele também são inervados. Então, esses são os sinais iniciais da hanseníase”.

 

Diagnóstico da hanseníase é um problema  – Transmissão ainda é alta 

 

Diante de alterações de sensibilidade na pele, com ou sem perda de suor, com ou sem perda de pelo, com ou sem manchas – porque as manchas já aparecem em um estágio mais avançado – é preciso pensar em hanseníase como um primeiro diagnóstico. 

“Se a pessoa tem alguma perda de sensibilidade na pele, se você toca e não sente, se você se queima e não sente, se você tem formigamentos naquele local, se você está tendo perda de força nas mãos e nos pés, se você está tendo diminuição de suor em alguma parte do corpo, se você perdeu pelo em alguma parte do corpo, ou se você tem manchas com alteração de sensibilidade, então você tem que pensar em hanseníase”, alerta Cláudio Salgado, professor titular do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará (UFPA) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH). 

A celeridade do paciente em buscar o atendimento médico diante de tais sinais é importante, porém, também é preciso considerar o preparo das equipes de atendimento no diagnóstico da hanseníase, que é feito prioritariamente de maneira clínica. O Dr. Cláudio Salgado destaca que, hoje, o diagnóstico é um problema enfrentado no controle da hanseníase em todo o mundo. 

“Nós perdemos a capacidade de dar diagnóstico de hanseníase no mundo. Consideram que a pessoa tem tudo: artrite reumatoide, fibromialgia, qualquer doença, menos hanseníase que é altamente prevalente. Então, essa pessoa fica com doença e fica transmitindo em uma casa pequena, que tem apenas um cômodo, e que a janela que já é pequena precisa ser fechada à noite. Então, isso mantém a doença ativa nas comunidades”, contextualiza. “Do ano 2000 para 2019 nós tivemos uma queda gradual do número oficial de casos registrados no mundo, que nós da SBH e outros pesquisadores de fora do Brasil, inclusive com trabalhos publicados, acreditamos que esse número de casos que temos oficialmente registrados não reflete a realidade. Na verdade, o que aconteceu foi uma falta de diagnóstico, não estão conseguindo diagnosticar as pessoas. No mundo inteiro, todo mundo diz que os números estão caindo, mas o profissional que está atendendo no dia a dia a hanseníase, vê casos cada vez piores em crianças, em idosos”.

 

Tratamento da hanseníase – Estigma ainda é desafio para os pacientes 

Outro fator a ser considerado no combate à hanseníase é o próprio estigma ainda associado a quem desenvolve a doença e que, muitas vezes, dificulta a adesão ao tratamento que dura de, no mínimo, seis meses a até 24 meses ou mais, dependendo do tipo de hanseníase. 

“Existe um tabu muito grande, esse estigma da hanseníase persiste e a discriminação também. Muitas das pessoas que a gente atende, ao longo do caminho, perdem emprego, não conseguem mais trabalhar em conjunto com os seus colegas, então, você tem uma série de problemas. O isolamento da hanseníase que a gente acha que acabou porque acabaram as colônias, principalmente, na realidade ainda não acabou. Na hora que a pessoa recebe um diagnóstico de hanseníase ela se isola, e ela se isola não porque ela quer, mas tem todo um contexto social que faz com que isso aconteça”, aponta Cláudio Salgado, professor titular do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará (UFPA) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH). 

“Tem pessoas que não querem contar para a família, tem gente que vai para outro estado ou para outro município para se tratar e só volta depois disso, então, ainda tem um estigma muito grande”.

À medida que o tratamento vai avançando, entretanto, a chance de a pessoa transmitir a doença vai diminuindo porque a hanseníase é uma doença transmitida pelo ar, pelas gotículas de saliva, logo, quanto mais bacilo o indivíduo tem circulando no seu organismo, maior é a quantidade de bacilos que ele expele no ar. Quanto mais tempo o paciente trata com o medicamento e do modo correto a doença, a possibilidade de transmitir vai diminuindo ao longo do tempo.

POR DENTRO DA HANSENÍASE 

 

ENDÊMICO

 

O Brasil é considerado endêmico para a hanseníase pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e, segundo aponta a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH), os estados do Maranhão, Roraima, Pará, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Mato Grosso apresentam os maiores índices da doença no país. 

 

 

EM NÚMEROS

 

119.698 casos novos de hanseníase foram diagnosticados nos últimos cinco anos (2017 a 2021), no Brasil.

 

 

 

22.426 pessoas estavam em tratamento da doença no final de 2021 no país, uma taxa de prevalência de 1,05 por 10 mil habitantes.

 

ESTADOS

 

Em 2021, Mato Grosso foi a Unidade da Federação que apresentou a maior taxa de detecção geral para hanseníase, com 58,76 casos novos por 100 mil habitantes; sua capital, Cuiabá, registrou a taxa de 22,45 casos por 100 mil habitantes.

 

O Tocantins ocupou a segunda posição entre as Unidades da Federação, com 47,97 casos novos por 100 mil habitantes, e sua capital, Palmas, registrou uma taxa de 79,78 casos por 100 mil habitantes, a maior entre as capitais do país.

 

19.535 casos novos de hanseníase com grau 2 de incapacidade física (como são classificadas as sequelas irreversíveis e incapacitantes) foram diagnosticados no Brasil de 2012 a 2021.

 

Fonte: Boletim Epidemiológico de Hanseníase 2023 – Número Especial – Janeiro de 2023 – Ministério da Saúde – Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. 

 

 

ENTENDA

 

O que é a hanseníase?

 

A hanseníase é uma doença causada por um bacilo que afeta os nervos. A pessoa acometida pela doença pode apresentar manchas esbranquiçadas ou avermelhadas na pele. Nas manchas, geralmente, há perda de pelos e a pessoa por ter perda total ou diminuição de sensibilidade (não sente ou tem dificuldade de sentir frio, calor, dor ou mesmo um toque), além de sentir dores ou formigamentos.

 

 

Como a hanseníase é transmitida?

 

O bacilo que causa hanseníase é transmitido de pessoas doentes sem tratamento para pessoas saudáveis, pelas vias aéreas superiores (tosse, espirro, fala). Para adoecer com hanseníase, é necessária convivência prolongada com um paciente sem tratamento, geralmente em média de 3 a 5 anos. Em tratamento regular, o paciente não transmite a hanseníase.

 

 

Hanseníase tem cura?

 

Sim, a hanseníase tem cura. Quanto mais cedo começar o tratamento, maiores serão as chances de evitar agressões aos nervos. No tratamento, o paciente recebe gratuitamente os medicamentos para ingestão via oral.

 

Fonte: Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH).