Malhar, correr e até mesmo pedalar podem não ser verbos conjugados na rotina de todo mundo. A prática de atividades físicas às vezes precisa de um incentivo para virar prioridade no dia a dia. Nessa perspectiva, o aplicativo GymRats (“ratos de academia”, traduzido do inglês) se tornou a febre do momento.
Lançado em março de 2019, ele tem ganhado a simpatia do público brasileiro desde o ano passado. Nele, são feitos desafios e existe uma comunidade de pessoas ativas que se incentivam a não deixar os exercícios para depois.
O app, que está disponível para download em smartphones para Android e iPhone (iOS), permite que o indivíduo pontue através de diversas ações realizadas no dia. Por exemplo, ao entrar no painel principal, 12 minutos andando ou 4,5 minutos correndo equivalem a um ponto.
A partir de um desafio (pode ser semanal ou mensal) se formam equipes que competem pelos primeiros lugares na maior quantidade de pontuação. Alguns também optam por apostar um prêmio físico ou em dinheiro a cada desafio para dar uma motivação extra ao grupo.
Além disso, existe um feed onde é possível ver fotos dos treinos de outras pessoas e um chat que possibilita o bate papo entre os usuários.
– Acho que o app pode ser uma forma muito prática de criar essa rotina em conjunto, acompanhar as evoluções dos outros, reagir e comentar sobre o desempenho – afirma Arthur Botafogo, designer de 25 anos que participa de um desafio mensal com três amigas.
Julia Amaral, de 27 anos, utiliza o GymRats desde 2023 e acredita que a contabilização de pontos é uma grande ferramenta para aumentar a frequência com que ela pratica exercícios. Devido à competitividade instalada nos grupos criados dentro do aplicativo com amigos, ela conta que sentiu vontade de se exercitar mais.
– O aplicativo aumentou muito minha motivação para treinar. Várias vezes eu sentia preguiça, ou pensava “Não vou hoje”, e ao lembrar que não iria pontuar, quase na mesma hora eu levantava e ia fazer o exercício – afirma.
O time de atletismo de Hyago Costa, formado por universitários, também viu um grande benefício em compartilhar os treinos diários por meio de um desafio no aplicativo. Segundo o estudante de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com o passar do tempo essas competições em grupo tomaram uma grande proporção.
– Na época de treinos para os Jogos Jurídicos começamos a competir com outros times de outras modalidades e as nossas principais rivais eram as meninas do futsal feminino. Elas treinavam muito, era uma loucura. E isso obrigava os outros times a treinarem muito mais. GymRats foi um ótimo catalisador para isso. Ele ajuda, influencia e motiva as pessoas – conta o assistente jurídico de 30 anos.
Outra mudança nada óbvia observada por quem usa o aplicativo está em escolhas de transporte que contabilizem uma maior quantidade de pontos.
– As pessoas se preocupam se vão mesmo para algum lugar de Uber ou se podem ir de bike pensando em pontuar mais naquele dia – exemplifica Arthur.
Para o educador físico e doutor em saúde pública Raphael Ritti Dias, membro da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS), qualquer incentivo às atividades físicas é sempre bem vindo quando se pensa no cenário atual do Brasil.
Aproximadamente 40% dos brasileiros não atingem a recomendação mínima de atividade física para a saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo dados do Vigitel. O recomendado é que sejam praticados 150 minutos de atividade moderada ou 75 minutos de atividade vigorosa por semana.
– Diante desse contexto, em que uma parcela significativa da população é fisicamente inativa ou tem baixos níveis de atividade, estratégias que incentivem um estilo de vida mais ativo são sim interessantes – aponta Dias.
Os humanos são seres sociáveis, e, por isso, um ambiente virtual voltado para o estilo de vida com um senso de comunidade é algo bastante atrativo. A psicóloga Marcela Ometto, pós-graduanda em neurociência e comportamento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica que poder compartilhar os próprios resultados e se basear nas postagens de outros faz com que as pessoas passem a se sentir pertencentes.
– Então, quanto mais destaque aquela pessoa ganha no ranking devido à rotina de atividades físicas, mais aprovação social ela tem. Isso reforça aquele comportamento graças ao sistema de recompensas do cérebro. Por isso, os usuários se sentem compelidos a continuar aumentando sua pontuação – salienta.
O cérebro abriga diversos circuitos neurais que realizam funções diferentes, um deles é o chamado sistema de recompensa central, descoberto nos anos 1950 pelo psicólogo James Olds e o neurocientista Peter Milner.
Ele atua liberando dopamina, um neurotransmissor (substância química que transporta mensagens entre os neurônios) que está relacionado à sensação de prazer e motivação. Dessa forma, uma ação que pode gerar uma recompensa positiva faz com que aumentem os níveis de dopamina.
– Por exemplo, se comemos algo que é prazeroso é liberada dopamina para que a gente entenda o que é bom. Ele também é ativado em aplicativos como o GymRats – aponta Ometto.
Dias pondera que, com o tempo, a motivação tende a diminuir para aqueles que não estão na liderança da competição, enquanto os que estão à frente podem se sentir mais incentivados a continuar.
– O desafio é que, dependendo do número de participantes, a maioria pode acabar desmotivada, já que apenas um pequeno grupo ocupa as primeiras posições. Uma estratégia para lidar com isso seria a realização de competições mais curtas, oferecendo novas oportunidades para aqueles que ficaram para trás se engajarem novamente na disputa – sugere.
A competitividade em excesso pode exaurir emocionalmente. No Twitter e no Instagram, diversos usuários publicam relatos afirmando que passaram a sofrer ansiedade devido à necessidade de se manter no pódio.
Nesse sentido, o propósito de unir os objetivos pode acabar pressionando pessoas do mesmo grupo. Julia conta que já viveu um desentendimento envolvendo um desafio do app.
– Comecei a treinar junto de uma amiga e depois de um tempo ela desistiu completamente do aplicativo porque estava sentindo muita ansiedade. Acabamos brigando por isso – relembra.
De acordo com Anne Crunfli, psicóloga especializada em transtornos de ansiedade pela Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), não saber administrar as expectativas quanto à performance em ambientes competitivos pode desenvolver baixa autoestima, estafa ou até mesmo provocar crises de ansiedade.
Marcela Ometto observa que a competição passa para um âmbito negativo principalmente quando é aliada ao perfeccionismo.
– Ter uma autocobrança muito forte pode ser um dos principais indícios de que tem alguma coisa desregulada em relação ao uso do aplicativo – complementa.
O educador físico Raphael Dias alerta para o risco do excesso no quesito físico, especialmente entre aqueles que estão começando a jornada de estar fisicamente ativos. Segundo ele, a prática exagerada de atividade física pode trazer prejuízos à saúde, como elevar o risco de lesões.
– Isso pode ser problemático, pois a intensidade do esforço está diretamente relacionada ao risco do exercício, especialmente para pessoas com doenças crônicas. Portanto, é fundamental ter cautela para evitar excessos e garantir que a competição estimule a prática segura e adequada de atividade física – ressalta.
Por fim, Crunfli recomenda praticar a análise de perspectiva caso os desafios criem uma “pressão” no usuário. Perguntas como: “essa frequência de idas à academia é boa para mim ou apenas serve para mostrar ao grupo?” e “estou fazendo tais atividades por x vezes porque o grupo está fazendo ou porque é saudável para mim?” podem ser um norte.
– As metas são apenas uma bússola de onde queremos chegar, não toda a história. Como qualquer coisa na vida, as atividades que nos fazem sair do sedentarismo também são uma lição de aproveitar a jornada. Na nossa sociedade do imediatismo ficamos tentados a transformar tudo em um simples objetivo que nos leva a um fim – conclui.
Fonte: Agência O Globo