ACÁCIO MORAES
NÁPOLES, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – O mundo pode ver um aumento de 31% nos casos de câncer em pacientes com menos de 50 anos até 2030, segundo dados apresentados por Nina Melo, coordenadora do Observatório de Oncologia, no 10º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, realizado nesta terça-feira (26), em São Paulo.
Na mesa, moderada pelo jornalista César Cavalcanti, especialistas se reuniram para debater o aumento da incidência da doença sobre essa fatia da população, que não é considerada grupo de risco.
Apesar de a enfermidade estar ligada ao envelhecimento, dados das últimas pesquisas apontam uma mudança no perfil dos pacientes.
Em um estudo de 2016 promovido pelo próprio Observatório de Oncologia utilizando dados do Registro de Câncer de Base Populacional e do Atlas Online de Mortalidade, ambos do Inca (Instituto Nacional de Câncer), foi verificado um crescimento geral no número de pessoas com menos de 50 anos acometidos por tumores diferentes.
São expressivos, nessa faixa etária, os aumentos de casos de câncer de mama, do colo do útero, de tireoide e de próstata, que é prevenível e vem caindo entre os mais velhos.
Os resultados levantados pelo Observatório de Oncologia estão em consonância com uma tendência observada mundialmente. Estudos científicos recentes mostram que houve um aumento de mais de 80% dos casos entre pacientes com menos de 50 anos nas últimas três décadas.
Laura Cury, coordenadora do Projeto Álcool, da ONG ACT Promoção da Saúde, afirma que a expansão dos casos entre a população adulta é consequência da maior exposição da sociedade aos cinco principais fatores de risco da doença.
São eles o tabagismo, a má alimentação, o uso de bebidas alcoólicas, a obesidade e exposição à poluição, todos modificáveis, diz ela.
“O controle do tabagismo é o caso de sucesso no qual a gente deve se inspirar para reduzir a prevalência de outros fatores de risco”, afirma a especialista, ressaltando a existência de diversas políticas públicas, algumas até mesmo endossadas por entidades como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Banco Mundial.
Um dos exemplos citados é o da tributação. Usada no caso do tabaco, é considerada medida fundamental como política pública custo-efetiva.
“Temos agora uma oportunidade imensa no contexto da reforma tributária para discutir essas questões. Existem formas de conseguir vincular recursos arrecadados com a tributação para política de prevenção e promoção da saúde”, diz. A especialista ainda defende a tributação seletiva de produtos considerados danosos à saúde, caso dos alimentos ultraprocessados.
Melo diz que existem conflitos de interesse que desafiam esse processo e chama a atenção para o veto de artigos relacionados à regulamentação e propaganda desses produtos no documento original da Política Nacional de Controle do Câncer, levado para apreciação do Congresso Nacional.
Gustavo Fernandes, médico representante da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, acrescenta que uma alternativa possível é promover políticas de desoneração de alimentos saudáveis. O oncologista também ressalta a importância dos programas desenvolvidos nas escolas brasileiras.
“A escola pública é uma unidade de atenção social também. A criança come, é educada, recebe abrigo contra a violência”, diz. A exemplo de medidas adotadas no governo de Barack Obama, nos Estados Unidos, ele sugere a promoção de alimentação saudável, estímulo à atividade física, orientações sobre tabaco, álcool e comportamento sexual.
Também destaca a importância de campanhas de vacinação, capazes de proteger os mais jovens de vírus como o HPV e o da hepatite B, que podem provocar, respectivamente, câncer do colo do útero e do fígado.
Por outro lado, Fernandes diz que não existem evidências suficientes que justifiquem a ampliação de políticas de rastreio para essa parcela da população.
Paulo Hoff, presidente da Oncologia D’Or, segue na mesma linha. O especialista afirma que não é uma questão de custo, mas, sim, dos riscos de possíveis intervenções em pacientes mais novos.
Nos casos do câncer de mama, a idade para promover o rastreio caiu de 50 para 40 anos. Já nos de intestino, passou para 45 anos. “Lembrando que isso se aplica a pessoas com risco normal. Quem tem histórico familiar deve começar a fazer o rastreamento mais jovem”, acrescenta Hoff.
Apesar dos desafios, os especialistas reunidos veem motivos para otimismo no futuro.
“Sempre que falo do câncer no adulto jovem, acho extremamente desafiador. Acho que talvez seja a idade na qual qualquer doença grave seja mais dramática. São os casos que mais me fazem pensar, sofrer e sentir”, afirma Fernandes.
“Do ponto de vista do futuro, minha natureza é otimista. É lógico que podia melhorar mais, mas as coisas estão evoluindo”.
O 10º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer acontece nos dias 26, 27 e 28 de setembro, em São Paulo, nas modalidades online e presencial. Serão, ao todo, cerca de 200 palestrantes, entre docentes, pacientes e autoridades.