PESQUISA

Estudo mostra mutação exclusivamente brasileira associada ao desenvolvimento de câncer

Após bater a mama durante uma aula de crossfit, a médica ginecologista e obstetra Mariana de Angeles Izeli, 31, sentiu um caroço diferente na região.

OFERECIMENTO

Hospital HSM Acessar site
Reprodução
Reprodução

Após bater a mama durante uma aula de crossfit, a médica ginecologista e obstetra Mariana de Angeles Izeli, 31, sentiu um caroço diferente na região. Ao ver que o inchaço não sumia, decidiu procurar especialistas e descobriu que se tratava de um câncer provocado por uma mutação genética. O principal sintoma para que os médicos desconfiassem da condição foi a idade precoce para o aparecimento da doença.

A alteração genética TP53 R337H, relacionada à Síndrome de Li Fraumeni (LFS, na sigla em inglês) é uma condição hereditária associada ao desenvolvimento de cânceres que é exclusivamente brasileira. A mutação foi abordada em um estudo publicado recentemente pela The Lancet Regional Health que mostrou que 1 em cada 300 brasileiros moradores do sul e sudeste do país carregam a mutação.

O teste genético de Mariana foi feito com a saliva e ficou pronto em cerca de sete dias. Apesar de não ter nenhum histórico na família para câncer de mama, ela diz que alguns parentes paternos já desenvolveram cânceres como de pâncreas, adrenal e neurológico.

Segundo o estudo, para homens, os principais tumores de Li-Fraumeni associados à variante brasileira são os sarcomas de tecidos moles e o câncer de próstata. No entanto, em caso de cânceres múltiplos dos portadores da condição, aparecem ainda tumores no pulmão e no rim.

Já para as mulheres, o câncer de mama precoce, ou seja, antes dos 35 anos, é um dos mais comuns relacionados à LFS por alteração no TP53 R337H, seguido por sarcoma de tecidos moles e câncer do pulmão.

Após o diagnóstico com a alteração genética, Mariana diz que os pais e o irmão também realizarão o teste genético. “Eu não tinha noção da existência dessa mutação, que dá medo do que está por vir. Mas agora que sei que tem como prevenir, cuidar e acompanhar, fico mais tranquila”, diz.

Médica geneticista e oncologista no Hospital Sírio Libanês e uma das autoras do estudo, Maria Isabel Achatz explica que não existe forma de prevenir a mutação, uma vez que é hereditária. O rastreamento da síndrome, porém, pode ajudar num possível diagnóstico precoce de câncer e viabilizar um acompanhamento mais eficaz da doença, segundo a oncologista.

“O que conseguimos dizer é que caracterizamos praticamente uma nova síndrome como se fosse um braço da Li-Fraumeni com essa publicação”, diz Achatz.

De acordo com o oncologista molecular e pesquisador Pedro Galante, também autor da pesquisa, o perfil de tumores no Brasil é diferente do resto do mundo que quem tem essa mutação. “Conseguimos pontuar quais são esses tumores, o que é importante para o médico e para o paciente, e muitas vezes ainda conseguimos dar uma direção de qual é o segundo tumor que uma pessoa que já teve um primeiro pode ter”, explica o especialista.

Apesar de ser uma variante exclusivamente brasileira, é importante lembrar que nem todo mundo que tem Li-Fraumeni no Brasil, necessariamente, tem a mutação R337H. Em 2022, por exemplo, um economista perdeu os três filhos para cânceres diferentes e, apesar de portador da síndrome, carregava outra mutação.

A pesquisa estima que a alteração genética brasileira tenha se dissipado século 18, seja de origem luso-hispânica e foi transmitida ao longo de gerações, deixando vários descendentes.
Outra particularidade dos casos brasileiros é a expectativa de vida dos pacientes com a mutação. Em outros países, é comum que as variações e mutações genéticas relacionadas à LFS não sejam transmitidas porque os pacientes vão a óbito antes que seja possível passar a síndrome para outras gerações.

Justamente pela diferença na expectativa de vida se comparada a outros países, o Brasil tem um dos principais grupos do mundo que trabalha no acompanhamento de pacientes com a LFS, com pesquisadores que ficam no Hospital Sírio Libanês, e avaliam pacientes de todo o Brasil. “E a maioria dos casos são relacionados a essa alteração genética tipicamente brasileira”, afirma Achatz.

Assim como uma maior expectativa de vida, a possibilidade de cura por um câncer em decorrência de LFS também é maior no Brasil, segundo a oncologista.

O estudo pontua que aos 50 anos, cerca de 54% dos portadores da mutação terão desenvolvido câncer, mas o número ainda é menor se comparado aos tumores por outras mutações de LFS, que chegam a 78%. No entanto, entre 50 e 65 o risco aumenta, ou seja, é quando o paciente precisa de atenção especial.

Dentre os principais sinais de alerta para os pacientes que desconfiam da síndrome estão o histórico familiar com cânceres precoces ou repetitivos, de acordo com Achatz. “Se o diagnóstico desse tumor é feito no começo, é possível direcionar melhor o rastreio e provavelmente salvar muita gente.”