Uma pesquisa de mestrado do programa de pós-graduação em Administração da UFPA aponta que a realidade dos entregadores por aplicativo tem sido extremamente exaustiva em Belém, a ponto de muitos estarem à beira de um colapso nervoso por conta da profissão. Chamado de síndrome de burnout, esse tipo de estafa está frequentemente ligado ao excesso de jornada e aos riscos cotidianos que vão minando a saúde mental dos trabalhadores.
Ao defender sua dissertação, a agora mestre Ayara Letícia Bentes destaca que os entregadores que trabalham de bicicleta estão ainda mais vulneráveis. “Falando mais especificamente sobre os ciclistas entregadores, eles são uma categoria pouco visibilizada.
Mesmo estando em plena atividade nas ruas de Belém, você percebe que eles enfrentam pressões semelhantes a outros entregadores, mas com o diferencial de que têm uma exigência física maior, porque dependem exclusivamente da força corporal para trabalhar”, explica. “Quando observei a literatura, percebi que há poucos estudos voltados para essa categoria, especialmente no contexto amazônico. Vi aí uma lacuna importante que quis ajudar a preencher”, completa.
Segundo Ayara, esses trabalhadores mascaram as desvantagens da profissão com uma falsa sensação de autonomia. “Eles vivem uma falsa ideia de autonomia quando, na verdade, enfrentam jornadas exaustivas e de muita pressão”, afirma.
Na metodologia, a pesquisadora utilizou uma abordagem quantitativa com aplicação de questionários a 159 entregadores ciclistas, em pontos estratégicos da cidade onde costumam se concentrar para pegar alimentos ou descansar. “Utilizei a ferramenta BAT, Burnout Assessment Tool, um instrumento internacionalmente validado que mede as quatro dimensões da síndrome, além de sintomas secundários. A partir desses dados, apliquei regressão linear múltipla para identificar quais fatores estavam mais associados à presença do burnout”, detalha.
RESULTADOS
Os entregadores responderam a 59 perguntas. Segundo Ayara, embora todos reforcem a ideia da flexibilidade dos horários, poucos percebem os fatores que tornam a jornada menos saudável. “O estudo identificou que as horas de trabalho e os acidentes são os principais preditores da síndrome de burnout nesses entregadores em Belém. Ou seja, a exposição contínua a situações perigosas e estressantes — muitas vezes decorrentes de jornadas extenuantes — contribui significativamente para o aumento da vulnerabilidade desses trabalhadores ao desenvolvimento da síndrome”, explica.
A dissertação propõe a implementação de medidas preventivas e intervenções eficazes no ambiente de trabalho ou, na visão da autora, a própria regularização dessa modalidade profissional, que hoje não é regida por leis trabalhistas. “Seria necessária uma gestão adequada das horas laborais, a promoção de ambientes saudáveis e a conscientização sobre a importância do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Essas podem ser estratégias cruciais na prevenção da síndrome de burnout”, completa.
ENTREGADORES
Rômulo Silva, 18 anos, diz que a remuneração em relação à distância percorrida é injusta. “Eu acho que 50 centavos aumenta muito pouco. Para quem pedala mais de 4 km, 50 centavos é bem pouco, sabe?”, diz. Ele explica que, recentemente, o valor por quilômetro adicional passou de R$ 1 para R$ 1,50. “Nos horários que eu trabalho, se eu quiser bater minha meta de R$ 70 a R$ 100 por dia, eu consigo. Depende do meu esforço. Mas tem outras questões, tipo se o pneu da bicicleta furar ou não. Se furar, eu perco uma hora do meu dia. Aí, se eu trabalhar 7 horas, já não consigo atingir o valor que eu queria”, explica.
Fábio Matheus Soares, 29 anos, também considera o reajuste injusto e ressalta que as condições climáticas em Belém tornam o trabalho ainda mais difícil. “Aqui em Belém você já sabe como é o sol. Quem roda nesse horário do almoço, tipo eu, hoje, rodei das 11h às 3 da tarde. Não aguentei mais que isso. É muita sede, muito sol, cansaço. É bem difícil”, relata.
Leonardo Melo, 23, ao ser perguntado não concordou com a pesquisa ao ser perguntado pelo DIÁRIO se sente-se cansado. “Eu rodo no horário certinho pra ti, tem um tempo de descanso certinho, o que eu termino. Tipo, eu saio às 10h ou 11h, eu fico até umas 14h ou 15h, aí eu descanso, aí eu volto agora às 18h, fico até umas 22h”, conta. Entre as técnicas para ganhar mais, ele admite que prefere o centro à periferia por conta da sensação de segurança. “Eu fico aqui pelo centro mesmo. Pra periferia, assim não dá. Aqui já é mais seguro. Uma rota em si tá pagando seus 7 reais. Só que com eles, o aplicativo manda muita rota dupla, que ele já diminui bastante o valor. Aí não compensa, é melhor só pegar rota curta”, finaliza..