PATRÍCIA PASQUINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A esporotricose, micose que provoca lesões na pele, causada pelo fungo Sporothrix brasiliensis avança em alguns estados do Brasil. A doença, classificada como zoonose, segue descontrolada.
O alerta é do infectologista Flávio Telles, coordenador do Comitê de Micologia da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná. Segundo ele, já há casos na Argentina, no Paraguai, no Uruguai e no Chile.
A transmissão da esporotricose ocorre entre gatos e deles para cães e seres humanos através de mordidas, arranhões e do contato com as lesões dos infectados. Os bichanos carregam o fungo nas garras, na saliva e no sangue.
A outra via é o fungo Sporothrix schenckii, mas em menor escala, e está diminuindo no país. O schenkii pode ser encontrado em plantas, palhas, fragmentos de vegetais e fibras. As vítimas desse tipo de fungo são agricultores e demais trabalhadores rurais.
“Atualmente, no Brasil, 90% é pelo brasiliensis, a transmissão felina. Cachorros e humanos não transmitem; só gatos”, reforça Telles.
O especialista falou sobre o assunto no 23º Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado em Salvador.
O aumento das ocorrências no país também foi mencionado na nota técnica do Ministério da Saúde, de 2023, que se refere à doença como “um grave problema de saúde pública”.
Apesar de reconhecer a gravidade, pelo fato de a esporotricose não ser de notificação compulsória o órgão não sabe quais estados produzem as estatísticas de casos e mortes e só fornece tratamento a seres humanos, o SUS disponibiliza o medicamento itraconazol e formulações lipídicas de anfotericina B, segundo a assessoria de imprensa.
Por outro lado, o ministério orienta que todo caso suspeito ou confirmado em gatos ou cães deve ser informado à vigilância local e investigado.
Telles integra um grupo no Ministério da Saúde que estuda doenças fúngicas. Ele e outros pesquisadores trabalham para que a esporotricose seja de notificação compulsória em todo o país.
Atualmente, alguns estados fazem a notificação. De acordo com Flávio Telles, é o caso de Amazonas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo.
A reportagem pediu aos estados citados os números da doença, de 1º de janeiro a 20 de setembro de 2022 e 2023. Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraíba notificam apenas a esporotricose humana.
Minas registrou 524 casos em 2022 e 517 neste ano; Paraíba, 237 ocorrências em 2022 e 431 em 2023 (uma morte em cada ano); no Rio foram 1.517 casos em 2022 (uma morte) e 760 em 2023.
Goiás afirmou que não houve casos em 2022 e 2023, ao menos até 1º de outubro. A Bahia contabilizou 402 casos de esporotricose humana e 930 da felina em 2022 e 492 da humana e 770 da felina em 2023. Lá, os municípios têm autonomia para instituir políticas públicas relativas ao controle da esporotricose animal, visto que não há previsão para tratamento animal fornecido pelo Ministério da Saúde.
No Paraná, o ano passado registrou 181 casos em seres humanos e 1.061 em animais; em 2023, 434 pessoas e 2.453 animais adoeceram. O estado é um dos poucos locais que fornece medicação para cães, gatos e seres humanos.
No caso de São Paulo, não há certeza em relação à quantidade de municípios que registram os casos e óbitos da doença. A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual da Saúde disse, por telefone, que o “agravo não é de interesse estadual e por isso a área técnica não acompanha”. Amazonas, Pernambuco e Rio Grande do Norte não responderam até a publicação deste texto.
Para Adriano Massuda, médico sanitarista e professor da FGV, a falta de notificação compulsória atrapalha no controle da doença. “A notificação é essencial para estabelecer o sistema de vigilância epidemiológica e, a partir da informação, tomar medidas de saúde pública para contenção da doença”, afirma.
“No âmbito da vigilância em saúde, existem os centro de controle de zoonoses. É fundamental o fortalecimento deles e que tomem as medidas adequadas para contenção das doenças transmitidas por animais. Além disso, as medidas de prevenção de doenças incluem educação da população no manejo dos animais”, reforça Massuda.
NA CAPITAL PAULISTA, ANIMAIS INFECTADOS CRESCERAM 40,3% EM 1 ANO
De 1º de janeiro a 20 de setembro de 2023, a cidade de São Paulo registrou 2.459 cães e gatos com esporotricose. Destes, 271 morreram. No mesmo período do ano passado, houve 1.753 animais, com 427 mortes.
Em humanos, foram 405 casos até o final de setembro deste ano e 388 no mesmo período de 2022, sem mortes.
A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo fornece o antifúngico Itraconazol gratuitamente às pessoas e aos animais, inclusive comunitários.
ESPOROTRICOSE PODE SER FATAL EM FELINOS
Ferida na pele é a principal queixa que o tutor leva ao veterinário, de acordo com Ana Claudia Balda, diretora da Faculdade de Veterinária da FMU.
“É uma ferida profunda, com bastante crosta, que sangra e não cicatriza. Quanto mais rápido o animal for levado ao veterinário, maior será a chance de sucesso do tratamento”, explica a médica.
O diagnóstico é feito com base na citologia, cultura micológica e alguns exames moleculares.
No início da manifestação clínica, as lesões de esporotricose podem ser confundidas com qualquer outro ferimento, comuns em gatos e geralmente provocados por brigas.
O Sporothrix brasiliensis se espalha com maior facilidade e pode causar quadros infecciosos mais severos. O fungo pode invadir o sistema linfático, afetar os olhos e as vias respiratórias. A infecção tem rápida evolução e pode matar, principalmente se o gato já tiver problemas de saúde.
“Em seres humanos a esporotricose é benigna, mas pessoas imunodeprimidas merecem atenção, porque nelas há a possibilidade de evolução para formas graves. É o caso de pacientes com HIV e câncer e idosos com o sistema imune comprometido, por exemplo”, orienta a infectologista do Hospital Osvaldo Cruz, Helena Lemos Petta.
Para Telles, algumas medidas são primordiais para o controle da doença. “Castrar, que diminui a necessidade de interação com outros gatos; impedir o acesso desses animais às ruas, tratar se estiverem infectados e não abandoná-los”, explica o especialista.
“O abandono tem sido muito frequente. O animal, quando está doente, é jogado na rua ou no lixo. Também é importante a cremação do cadáver do gato que morre por esporotricose, no centro de controle de zoonoses ou numa clínica veterinária que tenha crematório, porque se enterrar o gato contamina o solo”, orienta Telles.
“É importante deixar claro que os gatos não são culpados, e sim vítimas. As pessoas não devem matá-los ou fazer mal a eles”, diz.
*
A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de infectologia.