DIA NACIONAL

Doação de órgãos: uma grande corrente para salvar vidas

Sistema de transplantes já tem muitos avanços profissionais e tecnológicos, mas recusa de familiares dos pacientes ainda é um desafio

Alfredo Abud aponta que ao longo dos últimos anos o Estado do Pará vem aumentando muito o número de diagnósticos de pacientes em morte encefálica FOTO: Irene Almeida
Alfredo Abud aponta que ao longo dos últimos anos o Estado do Pará vem aumentando muito o número de diagnósticos de pacientes em morte encefálica FOTO: Irene Almeida

A partir da notificação de morte encefálica de um paciente, o que se desencadeia é uma grande mobilização em busca de um único objetivo: possibilitar que vidas sejam salvas através da doação de órgãos.

Mobilizando uma equipe formada por diferentes profissionais e um sistema interligado nacionalmente, porém, o processo de doação e transplante de órgãos e tecidos ainda depende de um fator que não está nas mãos dos profissionais de saúde: o aceite da doação por parte das famílias.


O Coordenador Estadual da Central de Transplantes (CET) da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), Alfredo Abud, aponta que ao longo dos últimos anos o Estado do Pará vem aumentando muito o número de diagnósticos de pacientes em morte encefálica em decorrência da própria estruturação do sistema e da formação e capacitação de profissionais habilitados a fazer tal notificação. Porém, os números de doações ainda são abaixo do que poderiam ser. “A gente tem uma taxa de recusa global de 65%, no ano de 2025, é muito alto.

De 10 famílias entrevistadas, só 35% aceitam a doação”, aponta. “No Estado do Pará, até setembro deste ano, nós já notificamos cerca de 200 pacientes em morte encefálica. Se a gente conseguisse chegar a uma margem de 80% de aceite de doação, que é o que a gente espera, nós teríamos ajudado muitas pessoas na lista de espera do transplante. Então, a nossa aceitação em doação ainda é muito baixa”.

Alfredo Abud afirma que, hoje, Sistema Estadual de Transplantes tem capacidade muito boa para triar esses pacientes e de operacionalizar o processo da doação em si, o que envolve o aceite da doação, a capitação dos órgãos, o transplante e o pós-transplante, tudo mantido a nível da rede pública de saúde, pelo SUS. Porém, o aumento ainda mais expressivo no número de doações ainda esbarra na recusa. “Os nossos números mostram que a sociedade, de um modo geral, ainda recusa muito. Isso muito baseado em estigmas, em tabus que existem por desconhecimento do processo”.

PROCESSO
O médico explica que o processo de doação de órgãos e tecidos é muito bem regulado, alinhado a uma série de protocolos, e fiscalizado por órgãos oficiais como a própria Sespa e o Ministério da Saúde. “O processo começa com uma visita a nível hospitalar para identificar esses possíveis doadores que estão em morte encefálica. É aquele paciente que o cérebro para de funcionar e o coração, ainda em batimento, consegue viabilizar os outros órgãos. Uma vez que esse paciente foi diagnosticado com morte encefálica e essa informação é notificada para a família, é que se inicia esse processo de falar em doação com a família”.


A Notificação de Morte Encefálica é um diagnóstico de notificação compulsória, portanto, a família tem o direito de saber que aquele paciente está em morte encefálica. E coordenador Estadual da Central de Transplantes esclarece que esse diagnóstico não pode ser feito por qualquer médico, precisa ser feito por um médico habilitado por realizar o diagnóstico de morte encefálica. “Quem faz o treinamento e certifica esse médico é a Central Estadual de Transplantes. Hoje, no estado do Pará, nós temos mais de 200 médicos formados e certificados para esse diagnóstico. Isso aumentou muito a nossa capacidade de notificar morte encefálica e de termos possíveis doadores”.


Sendo notificada a morte encefálica do paciente e havendo a concordância da família em fazer a doação dos órgãos, o sistema interligado é notificado para que se busque um receptor compatível com aquele órgão doado. Essa necessidade de compatibilidade, além de outros critérios, faz com que nem sempre o órgão captado no Pará, por exemplo, seja transplantado em um paciente que está no mesmo estado. Assim como nem sempre a pessoa que está inscrita na primeira posição da lista de espera, será a que vai receber aquele órgão disponível por primeiro.


“Uma vez que há um doador de órgão e tecido no Estado do Pará e seja de uma modalidade cujo transplante não é realizado no Estado (como é o caso do transplante de coração, de pulmão, pâncreas, intestino), o órgão é ofertado ao Sistema Nacional e um local no país que realize essa modalidade de transplante se prontifica a receber, dependendo, claro, se eles têm um receptor compatível”, explica o médico Alfredo Abud.

“E outras vezes tem órgãos que são captados no Estado e cujo transplante também é realizado aqui, só que os pacientes daqui que estão na lista de espera não são compatíveis com aquele doador. Quando isso acontece, a gente também oferta para o Sistema Nacional esse órgão”.


A partir desse sistema extremamente interligado, o Brasil consegue ter, hoje, o maior serviço de transplante público do mundo, segundo aponta o Coordenador Estadual da Central de Transplantes. E especificamente no caso do Estado do Pará, o médico reforça que o Governo do Estado vem trabalhando forma contínua para que o transplante avance. “Nos últimos anos a gente vem, gradativamente, aumentando o número de transplantes de órgãos e tecidos realizados”.


Hoje, o Sistema Estadual de Transplante do Pará realiza cinco modalidades de transplante. No caso dos transplantes de tecido, realiza o transplante de córnea, de medula óssea e o transplante músculo esquelético, que é o mais recente. Já em relação aos órgãos sólidos, realiza transplante renal adulto e pediátrico, sendo que o transplante renal adulto funciona no Hospital Ophir Loyola na Região Metropolitana de Belém, e no interior do estado, nos municípios de Redenção e de Santarém. Já na Fundação Santa Casa de Misericórdia estão sediados o transplante renal pediátrico e o transplante hepático.


Como responsável pela regulação de todo o processo estadual do transplante, a Central Estadual de Transplantes também coordena 17 comissões intrahospitalares de órgãos e tecidos espalhadas pelo Estado – os chamados CIHDOTS – que são os braços de apoio do sistema a nível hospitalar.

“As equipes das CIHDOTS identificam os possíveis doadores que, muitas vezes, estão em regime de UTI porque se tratam de pacientes em morte encefálica. Então, embora estejamos no Setembro Verde, quando a gente acaba aumentando muito as nossas ações, a nossa campanha pela doação é contínua, um trabalho diário que envolve 26 colaboradores aqui na Central Estadual e a gente também conta com esses profissionais a nível hospitalar porque são elas que estão triando os possíveis doadores”.


O médico destaca que é necessário disseminar algo que muitas pessoas ainda não sabem: para ser um doador de órgãos, basta expressar essa vontade em vida para os seus familiares. “É preciso verbalizar em uma conversa e deixar bem claro que você gostaria, se no futuro tivesse essa possibilidade, de ser doador de órgãos e tecidos. E hoje a gente ainda tem mais uma ferramenta que nos auxilia que é a plataforma do aplicativo AEDO. Nela, você consegue se cadastrar e certificar de forma digital que você é doador de órgãos e tecidos”, aponta.


“É uma ferramenta que ajuda nossas equipes de CIHDOTs e a equipe de organização de procura de órgão na hora de fazer a entrevista familiar para poder sensibilizar. Tendo o registro em cartório daquela pessoa que está em morte encefálica, a gente consegue mostrar para família que, no passado, aquela pessoa deixou formalizado que gostaria de ser doador de órgão. Isso não obriga a efetivar a doação, mas é uma ferramenta que auxilia a família a tomar a decisão”.

PARA ENTENDER

LISTA DE ESPERA
 Naturalmente, se uma pessoa está inscrita há mais tempo em uma lista de espera para um transplante, o seu nome estará na parte de cima da lista. Porém, quando há uma doação do órgão, não necessariamente aquele órgão vai ser destinado para a pessoa que está no topo da lista. “Isso vai depender de vários critérios como tipagem sanguínea, principalmente; e no caso do rim é preciso ter também imunocompatibilidade. Então, muitas vezes a pessoa que está em quinto na lista, por exemplo, é quem é compatível com aquele doador e aí ela supera os quatro primeiros”, explica o Coordenador Estadual da Central de Transplantes da (Sespa), Alfredo Abud. “E nessa lista também é levado em consideração o estado de saúde do paciente. Muitas vezes, o paciente está em iminência de morte, ele só tem como capacidade de sobrevivência o transplante. Nesses casos, esse paciente também ultrapassa os listados pela condição emergencial de saúde”.

DIA DOAÇÃO
 O dia 27 de setembro é marcado como o Dia Nacional da Doação de Órgãos.