Depois de 12 meses, pesquisa da Faculdade de Medicina da UFMG que acompanha filhos de mães que tiveram covid-19 durante a gravidez não constatou associação entre a infecção e suspeita de atraso no desenvolvimento infantil. Em outra análise, os pesquisadores perceberam maior risco para as crianças quando a mãe foi infectada no primeiro trimestre da gestação.
O trabalho foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, durante o mestrado da pesquisadora Gabriela Pinheiro. Ela defendeu os resultados em junho de 2023.
Foram analisados 224 lactentes expostos ao vírus durante a gestação e 225 que não foram expostos. “Não encontramos qualquer associação entre a exposição gestacional ao vírus e os desfechos do neurodesenvolvimento”, afirma Gabriela, que é pediatra.
As crianças foram recrutadas no momento do teste do pezinho, quando mães e filhos coletaram sangue para pesquisa de anticorpos contra o novo coronavírus. Famílias de Contagem, Itabirito, Nova Lima, Ipatinga e Uberlândia participaram da pesquisa.
Os pesquisadores comparam as crianças expostas ao vírus na gravidez com o grupo controle (que não foram expostas). Não houve diferença significativa entre os grupos. A presença de sintomas da covid-19 na gestante também não esteve relacionada ao desenvolvimento infantil.
Nos casos em que foi possível identificar o momento em que a infecção materna ocorreu, a equipe analisou o impacto em cada trimestre. Ficou demonstrado que a infecção no primeiro trimestre da gestação esteve associada a um maior risco de suspeita no atraso do desenvolvimento aos 12 meses de idade do que quando a infecção foi diagnosticada no segundo ou terceiro trimestre de gestação. Esse período inicial, portanto, deve ser observado com mais atenção pelos gestores públicos.
Fatores de risco avaliados
O projeto da Faculdade de Medicina é um dos únicos desenvolvidos com base em inquérito sorológico de mães e filhos. As amostras de sangue foram coletadas entre abril e agosto de 2021 e processadas no Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), responsável pela triagem neonatal em mais de 1900 famílias das cidades mineiras onde a pesquisa foi realizada. O inquérito identificou as mães que haviam sido expostas ao vírus durante a gestação, incluindo as gestantes completamente assintomáticas.
“Existem poucos estudos que avaliaram o desenvolvimento infantil de crianças expostas ao Sars-CoV-2 no mundo. Em um artigo de revisão de literatura, identificamos apenas 10 pesquisas relevantes na área”, contabiliza Gabriela Pinheiro.
No caso das gestantes que realizaram o teste de RT-PCR para diagnóstico de covid-19, foi possível identificar também o momento da gravidez em que a infecção ocorreu. O acompanhamento vai durar dois anos por meio do questionário SWYC e da avaliação presencial do desenvolvimento pelos testes Bayley III com os bebês dos grupos soropositivo e controle.
Dois fatores de risco para atraso do desenvolvimento foram identificados: suspeita de depressão materna e parto cesárea. Uma das conclusões do estudo mostra que é imprescindível reconhecer que o contexto da pandemia tem potencial para afetar negativamente o desenvolvimento infantil, embora os estudos disponíveis até o momento não tenham conseguido isolar completamente o efeito do vírus dos determinantes ambientais.
Os fatores ambientais são muito preocupantes para essa geração. “A magnitude da pandemia trouxe um cenário de insegurança: a insegurança causada pelo vírus, a insegurança alimentar, o luto pelos familiares, o fechamento de escolas e o isolamento social”, pontua a pediatra.
Organização do sistema de saúde
Além dos desafios científicos, outra questão que preocupa a sociedade desde o começo da pandemia é a organização do sistema de saúde. As estratégias de reabilitação para lidar com as gerações futuras foi uma das preocupações da Secretaria de Saúde de Minas Gerais levadas à professora Cláudia Regina Lindgren Alves, do Departamento de Pediatria, orientadora da dissertação e especialista em desenvolvimento infantil.
Várias doenças infecciosas podem ser transmitidas da mãe para o feto durante a gravidez e provocar prejuízos para o desenvolvimento infantil. A toxoplasmose é um exemplo bem conhecido e, mais recentemente, a infecção pelo zika vírus, que causa microcefalia e atraso do desenvolvimento infantil.
A suspeita de atraso do neurodesenvolvimento nos filhos de mães infectadas pelo SARS-coV-2 durante a gravidez era uma preocupação que precisava ser investigada, defende Gabriela Pinheiro. “Em relação à covid-19, precisávamos primeiro entender a transmissão vertical, que é quando a mãe passa a doença para o filho. Em seguida, mesmo sem transmissão vertical, era necessário estudar se o fato de a gestante ter a covid-19 afetaria o desenvolvimento do feto ou da criança de alguma maneira”, relata.
O fato de os pesquisadores não terem encontrado associação direta entre a exposição da criança ao Sars-CoV-2 durante a gestação e o atraso do neurodesenvolvimento no primeiro ano de vida não elimina a possibilidade de alterações tardias surgirem ao longo da infância. Isso reforça a preocupação da equipe com os efeitos da pandemia. “O desafio da saúde pública será investir em um cenário que pode ser mudado não só em relação às crianças expostas ao vírus, mas em relação a uma geração inteira que ficou isolada em uma fase muito importante do neurodesenvolvimento”, argumenta Gabriela Pinheiro.
Os dados da pesquisa já foram apresentados à Secretaria de Saúde de Minas. O estudo acompanhará o desenvolvimento das crianças até os dois anos de idade.
Fonte: UFMG