O consumo abusivo de bebidas alcoólicas entre mulheres brasileiras praticamente dobrou entre 2006 e 2023, passando de 7,7% para 15,2%. É o que aponta um estudo realizado por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia.
Esse aumento, porém, não foi observado entre os homens, que registraram um consumo mais elevado, mas um crescimento tímido no período analisado, de 24,8% para 27,3%.
A diferença entre os gêneros sugere mudanças significativas no padrão de consumo de álcool entre mulheres nos últimos anos, que pode estar relacionado ao crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, ao marketing direcionado e à pandemia, segundo a pesquisa.
O estudo usou dados do Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças), um inquérito telefônico anual do Ministério da Saúde com adultos a partir de 18 anos que moram nas capitais brasileiras.
O sistema coleta informações sobre doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão e diabetes, e os principais fatores de risco e de proteção para essas doenças, incluindo tabagismo, consumo abusivo de álcool, prática insuficiente de atividade física e excesso de peso.
Foi considerado consumo abusivo de bebida alcoólica a ingestão de cinco ou mais doses de álcool para homens, e de quatro ou mais doses para mulheres, pelo menos uma vez nos últimos 30 dias.
A pesquisa apresenta algumas limitações importantes. Primeiramente, ela depende das informações que as próprias pessoas contam sobre si mesmas, o que pode levar a erros, uma vez que as pessoas podem dizer que consomem mais ou menos do que realmente fazem.
Além disso, o estudo foi feito apenas com moradores das capitais que têm telefone, ou seja, não inclui toda a população. Outra questão é que o levantamento é transversal, mostrando uma foto do momento, e por isso não permite dizer com certeza se uma coisa causa a outra.
Deborah Malta, professora do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG, envolvida no estudo, afirma que o aumento do consumo abusivo de álcool entre mulheres é semelhante ao que ocorreu historicamente com o tabagismo.
“Na década de 1960, as mulheres também começaram a fumar como parte de um processo de empoderamento. À medida que elas passaram a participar ativamente do mercado de trabalho e a conquistar seu espaço, fumar acabou se tornando um símbolo de igualdade em relação aos homens”, explica.
“Um movimento parecido está ocorrendo agora. As mulheres estão presentes em todos os setores, com maior poder aquisitivo e em posições de liderança. Buscar certa igualdade com os homens também significa assumir práticas e comportamentos semelhantes, incluindo o consumo de álcool.”
A pesquisadora também destaca o papel do marketing fortemente direcionado para ampliar o mercado, especialmente entre mulheres e jovens, o que chama de determinantes comerciais em saúde.
“São estratégias específicas voltadas para esses públicos, como drinks açucarados e produtos com embalagens diferenciadas, muitas vezes em cores vivas e tons de rosa”, afirma.
Embora a pesquisa apresente limitações para captar claramente o efeito da pandemia, o estudo “ConVid – Pesquisa de Comportamento”, realizado por pesquisadores da UFMG em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), indica que o isolamento social contribuiu para o aumento do consumo de álcool, bem como de obesidade, hipertensão e diabetes.
Diante dos resultados e para tentar frear essa tendência, Malta sugere uma série de medidas regulatórias e educativas, entre elas campanhas de informação eficazes sobre os malefícios do álcool na saúde.
“Também é necessário aperfeiçoar a legislação, pois hoje a propaganda de bebidas alcoólicas é livremente difundida. Outra medida importante é a de redução de danos, como oferecer gratuitamente água nos estabelecimentos que servem álcool, incentivando o consumo moderado.”
Além disso, Malta alerta que, sem essas medidas, as metas nacionais de redução do consumo de álcool, que prevêem diminuição de 10% nos próximos anos, dificilmente serão alcançadas.