RIO (AG) – Nesta semana, cientistas alemães anunciaram o sétimo caso de uma cura provável do HIV. Assim como nos relatos anteriores, o paciente, um homem de 60 anos, precisou passar por um transplante de medula óssea para tratar uma leucemia, e o doador escolhido tinha uma mutação genética que o tornava resistente ao vírus.
Os procedimentos não são uma alternativa que será oferecida a todos que vivem com HIV em larga escala, já que o transplante tem uma série de riscos, nem sempre funciona e há um número escasso de doadores, especialmente que carreguem essa alteração específica no DNA. Mas pesquisadores ressaltaram que há uma diferença no novo caso que pode impulsionar novos tratamentos em busca de uma cura global.
A mutação genética buscada entre os doadores é chamada de CCR5 delta 32/delta 32. Ela faz com que a pessoa não produza uma proteína chamada CCR5. Isso porque ela é um receptor que fica na superfície das células T CD4 do sistema imunológico, principais alvos do HIV, e atua como uma espécie de fechadura, por onde o vírus entra.
Por isso, naqueles com a mutação, e consequentemente sem o receptor, as células se tornam resistentes à infecção, interrompendo a replicação do HIV no organismo e eventualmente o eliminando por completo.
No entanto, os pacientes anteriores que alcançaram a remissão receberam a medula óssea de doadores que herdaram duas cópias desse gene mutante, uma de cada um dos pais, o que as tornava “praticamente imunes” ao HIV. Já no caso mais recente, o doador havia herdado apenas uma cópia do gene mutante, algo mais comum de se encontrar na população – menos de 1% tem as duas.
“Não conseguimos encontrar um doador de células-tronco correspondente que fosse imune ao HIV, mas conseguimos encontrar uma cujas células têm duas versões do receptor CCR5: a normal e, em seguida, uma extra, mutada”, explicou Olaf Penack, médico do hospital Charité, em Berlim, que cuidou do paciente, em nota.
Ainda assim, o novo paciente também atingiu um quadro de eliminação do vírus, o que para Sharon Lewin, presidente da Sociedade Internacional de AIDS, é algo animador. Em comunicado, ela diz que é “promissor para futuras estratégias de cura do HIV baseadas em terapia genética, pois sugere que não precisamos eliminar cada parte do CCR5 para obter a remissão”.
Cientistas têm, por exemplo, buscado desenvolver novas estratégias que utilizam a técnica chamada de CRISPR, uma espécie de “tesoura” que consegue fazer cortes no material genético, justamente para remover o gene que produz o CCR5 das células de pessoas que vivem com HIV.
Nesse contexto de busca por novas formas de eliminar o vírus, Christian Gaebler, do departamento de Doenças Infecciosas e Medicina de Cuidados Críticos do Charité, comemora o novo caso, que classifica como “extremamente surpreendente”:
“Isso significa que o fato de o vírus ter sido curado aparentemente não é atribuível somente ao receptor genético CCR5 do doador, mas sim ao fato de que suas células imunes transplantadas eliminaram todas as células infectadas pelo HIV do paciente”.
A principal dificuldade em encontrar uma terapia que elimine a infecção pelo HIV por completo é devido a algo chamado de persistência viral, que impede os medicamentos atuais de destruírem todas as partes do vírus que circulam pelo organismo. Isso porque ele permanece em estado de dormência em alguns reservatórios, e a medicação atua somente sobre o vírus ativo. Com isso, toda vez que se interrompe o tratamento, os que estão adormecidos eventualmente voltam a se replicar.
O sétimo caso relatado de cura, que prefere permanecer anônimo, foi apelidado de “novo paciente de Berlim”, uma referência ao primeiro “paciente de Berlim”, Timothy Ray Brown, a primeira pessoa a ser declarada curada do HIV em 2008. Timothy morreu de câncer em 2020.
O novo paciente foi diagnosticado com o HIV em 2009. Em 2015, descobriu um quadro de leucemia mieloide aguda (LMA), a forma mais agressiva do câncer, e precisou receber um transplante de medula.
No final de 2018, o homem interrompeu o tratamento antirretroviral. Até agora, quase seis anos depois, o vírus não voltou a ser detectado no seu organismo.
Texto de: Bernardo Yoneshigue