Dr. Responde

Alzheimer: Tratamento esbarra em falta de informação e de rede de apoio

Estudos já demonstraram que a doença de Alzheimer pode começar a se desenvolver cerca de 20 anos antes de quaisquer sintomas
Foto: Divulgação

ANA BOTTALLO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando o auditor fiscal Marcos Mei Vergani, 56, assumiu os cuidados da mãe, Jandyra Mei Vergani, 91, diagnosticada com Alzheimer no início do ano passado, ele notou que há ainda lacunas no acesso à informação sobre a condição e também de apoio aos familiares.

Para ele, o conhecimento sobre a doença é algo ainda pouco difundido, o que pode causar uma reação inicial de choque quando vem o diagnóstico. “É uma situação que assusta, porque o Alzheimer não é igual ao adulto que naturalmente apresenta as questões relacionadas ao envelhecimento, é muito específico, por isso é fundamental buscar apoio em grupos.”

E este não é um cenário incomum. O Alzheimer é o principal tipo de demência, correspondendo a 60% a 80% dos casos diagnosticados, e mais de 10 milhões de novos casos são identificados a cada ano em todo o mundo. Nesta quinta (21), é celebrado o Dia Mundial de Conscientização da Doença de Alzheimer, para fortalecer a divulgação de informações sobre a doença para pacientes e seus familiares.

Além dos problemas relacionados ao diagnóstico, a oferta de terapias hoje disponíveis pelo SUS se concentra em medicamentos voltados para o controle dos sintomas, mas que não atuam para conter a progressão da doença.

Recentemente, duas novas drogas aprovadas pela FDA, agência que regulamenta e fiscaliza alimentos e remédios nos EUA, trouxeram esperança para pacientes e familiares de pessoas com Alzheimer. As drogas lecanumab (comercializado pelo nome Leqembi, da Biogen) e donanemabe, da farmacêutica americana Eli Lilly, atuam reduzindo a progressão da doença, com esta última apresentando até 60% de redução do declínio cognitivo em pacientes com algum sintoma em comparação ao grupo controle.

Médicos e especialistas alertam, porém, que esses tratamentos não têm indicação para todos os casos de Alzheimer, são apenas para aqueles detectados na fase inicial com sintomas leves da doença.

Além disso, ambos ainda estão indisponíveis no Brasil. A Eli Lilly ainda não pediu o registro do seu fármaco na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Até o começo deste semestre, também não havia prazo de quando o lecanemab poderia chegar ao país.

Por enquanto, os medicamentos disponíveis no país para tratamento de Alzheimer são os anticolinesterásicos (donepezil, galantamina e rivastigmina) e a memantina, voltados para a redução dos sintomas.

“Não são drogas modificadoras do curso da doença, nem de Alzheimer nem de outras demências, e o fato de serem as mesmas utilizadas há 20 anos no SUS é porque por muito tempo foram as únicas drogas disponíveis”, explica Claudia Suemoto, professora associada de geriatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Banco de Encéfalos da universidade.

Comparadas às terapias mais recentes, essas drogas têm atuação considerada modesta. “A gente sabe que os efeitos nos pacientes a longo prazo são menores do que [os efeitos das] drogas novas, e não são todos os casos que vão ter uma resposta a esses medicamentos”, afirma.

Suemoto explica também que as diferentes fases de Alzheimer têm sintomas distintos, e isso vai definir o tipo de terapêutica envolvida. Segundo ela, os sintomas se dividem em cognitivos e comportamentais, e as fases, em leve, moderada e grave (recentemente, pesquisadores sugeriram alterar a classificação de fases para estágios, como é hoje para câncer).

Entre os sintomas da fase leve estão perda de memória recente e mudanças comportamentais, como apatia. Na moderada, o declínio cognitivo afeta a funcionalidade do paciente e já exige supervisão de outra pessoa.

“Já na fase grave, a perda de memória é tanto recente quanto tardia, o paciente não consegue ter julgamento, tem a perda de funcionalidade mais acentuada, então dificuldade para se alimentar e ir ao banheiro sozinho, e aí os sintomas comportamentais principais são agressividade, alucinações e também não conseguir mais falar ou andar”, diz a docente.

Justamente por considerar essa gama de diferentes sintomas, os cuidados do paciente com Alzheimer envolvem mais do que só a terapêutica medicamentosa, explica a enfermeira Aline Gratão, coordenadora do Ambulatório de Gerontologia do Hospital Universitário da UFScar (Universidade Federal de São Carlos).

“Quando falamos de melhora do paciente, falamos de uma equipe multidisciplinar, que vai envolver geriatras, neurologistas, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, enfim, um grupo de profissionais que em conjunto vai ajudar aquele familiar. E o que vemos é que, quando há esse apoio, o próprio cuidador relata como isso ajuda no entendimento e na compreensão daquela condição”, afirma.

A compreensão de que aquele comportamento agressivo ou as atitudes relacionadas à perda de memória não são “teimosia” do paciente também ajuda no acolhimento. “Existe um estigma muito forte do Alzheimer por falta de conhecimento. Quando se tem a compreensão, isso muda todo o cenário e, junto com a equipe multiprofissional, esse cuidador consegue enfrentar melhor a situação”, reflete.

DIAGNÓSTICO TARDIO
Uma queixa dos estudiosos do tema é que a confirmação do diagnóstico de Alzheimer muitas vezes se dá em uma fase já tardia da doença.

“É nítido como existe uma melhora nos sintomas quando o tratamento começa ainda na fase inicial, enquanto o paciente que não começou o tratamento no início tem uma perda de funções muito maior”, explica a geriatra e presidente da regional São Paulo da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer), Celene Pinheiro.

Foi o caso da Marcos Vergani. O diagnóstico da mãe veio quando já estava em uma fase moderada. “Ela teve Covid ainda em 2021. Depois que ela se recuperou, queixou-se de perda de memória. Eu a levei ao psiquiatra, que fez os exames e confirmou o Alzheimer.”
O apoio de Marcos para cuidar da mãe veio tanto dos especialistas da Abraz quanto de colegas de trabalho, que compartilham experiências vividas no cuidado de familiares com demência.

De acordo com Pinheiro, para cada paciente com demência são necessários três cuidadores. E os custos para a sociedade são enormes. “A gente precisa considerar que 80% desses custos são de retirar um cuidador, uma pessoa economicamente ativa, jovem, do mercado de trabalho para se dedicar integralmente ao paciente, porque é muito carente a oferta dessa rede no SUS.”