SAÚDE

Alimento “zero” também deve ser consumido com moderação

Seja “zero açúcar”, “zero gordura” ou “zero lactose”, entre outros, a recomendação é que o consumidor deve evitar armadilhas nutricionais

Saber as diferenças entre os adoçantes disponíveis no mercado também é importante

FOTO: Marcos Oliveira/Agência Senado
Saber as diferenças entre os adoçantes disponíveis no mercado também é importante FOTO: Marcos Oliveira/Agência Senado

Nas prateleiras dos supermercados, embalagens que estampam em letras chamativas “zero açúcar”, “zero gordura” ou “zero lactose” costumam atrair consumidores em busca de alternativas supostamente mais leves e saudáveis. Mas o que parece uma escolha acertada pode, na prática, esconder armadilhas nutricionais. O alerta é que esses produtos foram desenvolvidos para atender pessoas com restrições específicas, e não devem ser consumidos indiscriminadamente como sinônimo de saúde.

A endocrinologista Lorena Lima Amato, doutora pela Universidade de São Paulo, explica que é preciso cautela na hora de associar os selos “zero” a uma boa alimentação. “Os produtos zero, eles são zero em algum item, podem ser, por exemplo, zero açúcar, zero gordura, mas não necessariamente são saudáveis. Por exemplo, a ‘Coca Zero’ é um conjunto de corantes e conservantes, alimentos não saudáveis. É uma bebida que é zero açúcar e não necessariamente ela é saudável”, afirma.

O consumo frequente de bebidas zero açúcar não está livre de riscos e pode impactar o metabolismo a longo prazo. A médica observa que o excesso pode trazer impactos importantes ao organismo, na relação entre o excesso desse tipo de produto e alterações na microbiota intestinal, além do surgimento de doenças como o diabetes. “Um paciente diabético que está mudando os hábitos, ao invés de consumir uma Coca-Cola normal e uma Zero, é claro que preferencialmente é melhor a Zero. Mas o ideal mesmo é que o hábito fosse mudado para alimentos naturais, sem tantos conservantes e adoçantes corantes artificiais”, exemplifica.

No caso dos alimentos industrializados sem gordura, o problema é a compensação com outros ingredientes pouco recomendáveis. “Muitos produtos zero gordura têm vários itens que são adicionados para que se torne mais saboroso, mas são artificiais. Ele pode ser zero gordura, mas cheio de carboidratos, que também podem alterar o metabolismo, levar ao ganho de peso e trazer carência de nutrientes saudáveis, de vitaminas, minerais e fibras. Então, sim, pode prejudicar a qualidade nutricional”, destaca a especialista.

ADOÇANTES

Sobre os adoçantes, ela explica que, em geral, eles não elevam a glicemia, o que pode ser benéfico a quem tem diabetes. Eles não elevam a glicemia porque não tem nenhuma caloria, então não estimulam o corpo a produzir insulina como alimentos ricos em açúcar. Mas há diferença entre os adoçantes.

“O aspartame, por exemplo, é contraindicado em quem tem fenilcetonúria e é instável ao calor. A sucralose também é instável ao calor e é muito utilizada nos produtos ultraprocessados. A sacarina pode alterar a microbiota intestinal em alguns momentos. O stévia é um adoçante natural que seria menos maléfico à microbiota intestinal. Então cada produto é um tipo de adoçante permitido no Brasil e eles têm características diferentes”, detalha.

CONSUMO

Outro ponto importante é que alimentos e bebidas zero podem influenciar na indução de consumo maior. “Existe uma teoria que, após a ingestão de um alimento doce, mas que não tem calorias, o corpo poderia ter uma resposta compensatória. Ele interpretaria mal aquela vinda de um alimento doce sem vir calorias e, consequentemente, levaria a uma ingestão calórica compensatória. Isso poderia ser inconsciente ou de maneira consciente, quando você acredita estar ingerindo algo ‘light’ e acaba comendo mais por se permitir”, explica.

Seja “zero açúcar”, “zero gordura” e “zero lactose”, diante desse cenário, a recomendação da médica é que o consumidor aprenda a ler com atenção os rótulos. “É importante observar todos os ingredientes. O alimento pode ser zero açúcar e ter muita gordura, ou zero gordura e ter excesso de açúcar. Se o objetivo é perda de peso, isso vai trazer malefícios. É preciso avaliar também se aquele alimento tem valor nutricional, fibras, proteínas e vitaminas”, considera.

“Não devem ser interpretados como liberados ou saudáveis por definição”, alerta a médica sobre esses alimentos, considerando que podem ser úteis em algumas situações específicas, mas que os pacientes não podem criar uma sensação de “segurança” absoluta e acabar exagerando no consumo. 

Estudos recentes reforçam o cuidado. Ela lembra de uma revisão sistemática publicada em 2023 no British Medical Journal, “com análise de 280 pesquisas sobre adoçantes e alimentos “zero”, concluiu que no curto prazo, esses alimentos podem até ajudar na redução calórica, no controle da glicose, em pessoas que têm excesso de peso, diabetes, mas não é evidência consistente de benefício metabólico a longo prazo”.

Para Lorena Lima Amato, o uso desses produtos pode até ter lugar em situações específicas, mas nunca deve substituir uma reeducação alimentar. “Esses produtos podem ser um aliado pontual, mas não substituem uma alimentação baseada em comida de verdade, natural. O ideal é que o paciente use com moderação, entendendo o que está consumindo, e não apenas escolhendo o produto ‘zero’ sem uma estratégia sustentável para uma alimentação mais saudável”, conclui.