JÉSSICA MAES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após duas semanas de intensas negociações e muita pressão da sociedade civil e de nações petroleiras, a COP28 chegou ao fim na manhã desta quarta-feira (13), em Dubai. Mesmo dois anos antes da COP30, edição brasileira da conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), os resultados definidos agora têm um impacto direto na cúpula que deverá ser realizada em Belém em 2025.
O principal objetivo desta COP nos Emirados Árabes era entregar um balanço geral das ações climáticas tomadas até hoje, que será usado na atualização das metas climáticas dos países (conhecidas como NDCs, sigla em inglês para contribuições nacionalmente determinadas).
Segundo o Acordo de Paris, isso terá que ser feito até 2025, quando o Brasil sediará o evento. Mas existem pendências que podem complicar o processo, como a indefinição sobre de que forma os países desenvolvidos irão apoiar as nações emergentes na transição energética.
Para Leandro Ramos, diretor de programas do Greenpeace Brasil, essa é uma lacuna central que precisará ser abordada. “Como é que a gente faz para que os países desenvolvidos, que mais contribuíram para a crise climática, e também os setores mais responsáveis pela crise climática viabilizem essa transição?”, questiona.
O texto final da COP28 propõe pela primeira vez que os países façam uma transição dos combustíveis fósseis, que são a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa, para outras fontes de energia.
Inclui, ainda, a adoção mais firme do objetivo de limitar o aquecimento global em 1,5°C (ao invés de 2°C), cenário que evitaria os piores impactos das mudanças climáticas.
Este ponto era um dos principais defendidos pela diplomacia brasileira, que foi a Dubai com a intenção de ser o “paladino do 1,5°C” para que outros países assumam esse parâmetro na atualização das suas NDCs. Isso deve se refletir na adoção de metas mais ousadas, definindo o tamanho do sucesso da COP brasileira.
Assim, o Brasil deve continuar levantando a bandeira do 1,5°C, mas também terá que trabalhar para que outras nações não ignorem ou minem esse objetivo.
“O balanço geral indicou que o que alcançamos até aqui não foi suficiente [para conter a crise climática] e trabalhamos para que saíssemos daqui com as bases para viabilizar essa suficiência. Uma coisa muito importante foi o alinhamento em relação à [meta de] 1,5°C”, afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao final da conferência.
“Não haverá mais como simplesmente tergiversar. Agora é arregaçar as mangas e viabilizar os meios para que as ações aconteçam”, disse também.
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, explica a importância das metas nacionais a serem apresentadas na COP30, que marca os dez anos do Acordo de Paris.
“As emissões vão ter que cair em 60% até 2035 em relação aos níveis de 2019. Então, a ambição que a gente precisa alcançar em Belém é bastante grande e passa pelos combustíveis fósseis.”
Os investimentos na ampliação da exploração do petróleo e do gás são um dos pontos controversos em relação à política ambiental do governo Lula.
Num movimento que causou revolta entre ambientalistas e turvou os bons resultados quanto à queda no desmatamento na Amazônia, o presidente anunciou logo nos primeiros dias da COP28 que o país passará a integrar a Opep+, grupo de observadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo.
Simultaneamente ao final da COP28, o governo também realizou o maior leilão de combustíveis fósseis da história, ofertando mais de 600 blocos para exploração, nesta quarta-feira.
E, até 2025, o Brasil também deverá apresentar resultados e aumentar a sua própria ambição climática -que, após idas e vindas durante o governo Jair Bolsonaro, retornou à adotada em 2015.
“Para além de uma cidade em condições de receber uma conferência com mais de 100 mil participantes, o Brasil precisará demonstrar seus esforços no cumprimento da NDC, visando demonstrar sua capacidade de adoção de maior ambição climática na segunda fase do Acordo de Paris”, diz Karen Oliveira, diretora para Políticas Públicas e Relações Governamentais do braço brasileiro da ONG The Nature Conservancy.
BAKU E O FINANCIAMENTO
No caminho até Belém, no entanto, há a COP29, em 2024, que deve acontecer em Baku, no Azerbaijão. Esse é o terceiro anfitrião consecutivo, depois do Egito e dos Emirados Árabes, que tem uma economia altamente dependente de petróleo.
Neste ano, o vazamento de uma carta da Opep pedindo que os membros da Opep+ rejeitassem citações à redução dos combustíveis fósseis no acordo final escancarou o tipo de pressão exercido pelos grandes produtores nas negociações.
Em Baku, terá de ser definido um novo valor a ser destinado pelos países ricos ao financiamento climático em nações em desenvolvimento. O tema é delicado, se arrasta há anos e podem sobrar arestas a serem aparadas no ano seguinte.
“Neste ano, os negociadores brasileiros repetiram muito essa mensagem: para um corte de emissões sem precedentes, a gente precisa de financiamento sem precedentes”, ressalta Herschmann. “A COP do ano que vem é sobre financiamento e manter o [objetivo de] 1,5°C vivo depende muito disso”.
O governo brasileiro é um defensor histórico do princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas: a compreensão de que todos os países precisam fazer a sua parte para frear a crise climática, mas que os maiores emissores e os mais ricos devem ter papéis mais incisivos.
A especialista do Observatório do Clima explica que, atualmente, todos os assuntos de alguma forma acabam chegando na questão de quanto dinheiro é necessário e de quem vai pagar a conta climática.
“É a consequência da inação. Você não mitigou as emissões o suficiente, então está mais caro fazer isso. Aí tem que lidar com mais eventos extremos, e a adaptação climática fica mais cara. Aí não mitigou e não adaptou, então tem as perdas e danos [causados pelo clima]. É como se fossem juros compostos, as coisas vão se acumulando”, compara.
ROTEIRO DE AÇÕES
Na prática, as questões pendentes que não foram abordadas nesta COP e as que ficarem indefinidas em 2024 podem sobrar para Belém, aumentando a pressão sobre o anfitrião.
“Os resultados da COP28 deixam mais claro o tamanho do desafio desta corrida de dois anos até a COP30. A construção de agenda demandará colaboração e participação ampla domesticamente, e também um amadurecimento das relações do Brasil com outros países do Sul Global”, avalia Maria Netto, diretora executiva do iCS (Instituto Clima e Sociedade).
Para tentar minimizar esse efeito cascata e elaborar um roteiro de ações (chamado de “Missão 1,5°C”), o Brasil propôs a criação de uma troica, juntamente com os Emirados Árabes e o Azerbaijão, que foi adotada no texto final de Dubai.
Segundo o documento, o objetivo deste grupo de trabalho é “melhorar significativamente a cooperação internacional e o ambiente internacional propício para estimular a ambição” na próxima rodada de NDCs, visando manter a meta de 1,5°C ao alcance.
Ramos diz acreditar que, mesmo que esse pode ser um espaço para avançar a discussão sobre a superação dos combustíveis fósseis. Como os outros dois membros, o Brasil também é um grande produtor de petróleo.
“Precisamos de lideranças que compreendam o tamanho da tarefa -de que estamos lidando com o futuro e o presente do planeta- e que esta é uma negociação que vai contra os interesses econômicos que existem hoje. Não é uma tarefa fácil”, diz a especialista. “Precisamos de um grupo que esteja muito imbuído dessa ‘Missão 1,5°C'”, avalia Herschmann.