JOÃO GABRIEL E PHILLIPPE WATANABE
SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Amazônia registrou queda de 7,4% nos alertas de desmatamento de agosto de 2022 a julho de 2023 em relação ao mesmo período anterior (2021-2022). A área de floresta derrubada no período foi de 7.952 km², o menor valor desde o intervalo 2018-2019. Ao mesmo tempo, porém, o cerrado alcançou o recorde de avisos do histórico do Deter, com 6.359 km² derrubados- 16,5% a mais que no período anterior.
A atualização positiva para a floresta e preocupante para o cerrado ocorre dias antes da Cúpula da Amazônia, que ocorrerá na próxima semana em Belém, no Pará.
A comparação entre o segundo semestre de 2022 e o primeiro de 2023 também ilustra essa discrepância entre o que acontece nos dois biomas.
Nos seis meses finais do último ano, durante governo de Jair Bolsonaro (PL), os alertas na Amazônia cresceram 54,1%, enquanto no início de 2023, na gestão Lula (PT), houve queda de 42,5%. Já no cerrado, o aumento que era de 15,7% acelerou para 20,7% na gestão petista.
Os dados foram divulgados na manhã desta quinta-feira (3) pelos ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e da Ciência, Tecnologia e Inovação. Como vem ocorrendo nos últimos meses, a taxa mensal de desmatamento foi anunciada em uma entrevista coletiva em Brasília. Anteriormente, tais as informações mensais eram somente atualizadas na plataforma do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Os dados de alerta de desmate são referentes ao sistema de monitoramento Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real), do Inpe, atualizado constantemente. O Deter foi desenvolvido para servir de apoio a operação de fiscalização contra crimes ambientais. Mas dados produzidos pelo sistema têm ajudado a mostrar tendências no nível de desmate dos biomas.
“Quando vemos que a queda no desmatamento na Amazônia aconteceu em vários estados e municípios, vemos que temos uma queda consistente”, afirmou a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.
“Temos uma situação que é complexa [no cerrado] em função da incidência de desmatamento com autorização [dos estados]. O Ibama pode atuar nas áreas com ilegalidade comprovada ou suspeita muito evidente de ilegalidade”, ponderou.
A pasta tem feito reuniões com os estados que compõe o bioma para construir propostas para a redução no desmatamento na região. O ministério prevê para outubro o lançamento do PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado).
Marina lembrou ainda que há uma diferença legal entre os dois biomas: na Amazônia, o máximo de floresta que pode ser derrubada legalmente é de 20%, enquanto no cerrado, é de 80%. E propôs que este segundo parâmetro seja revisto.
“No caso do cerrado, há quase que uma acomodação, porque pode explorar [por lei] 80% [da floresta]. Então a ciência precisa dizer qual a base de sustentação e a base de suporte [da exploração] do bioma”, completou.
A ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, disse durante a Cúpula da Amazônia a pasta fará anúncios de novos investimentos ligados à questão ambiental.
“Nossos investimentos dialogam com a infraestrutura de ciência e tecnologia para ajudar [o meio ambiente] e também com o desenvolvimento sustentável, o setor produtivo e as novas bases tecnológicas”, afirmou.
Tendência de queda confirmada
Os alertas de desmatamento na Amazônia para o mês de julho foram de 500 km², o valor mais baixo desde 2017 (458 km²). No consolidado dos últimos 12 meses, é o mais baixo desde 2018/2019.
E a tendência na Amazônia nos últimos meses tem sido de queda em relação aos mesmos meses do ano anterior, o último do governo Bolsonaro. Houve momentos de diminuição expressiva, como em junho (redução de mais de 40% em relação a junho de 2022) e abril (redução de quase 68%).
Mas, ao mesmo tempo, dentre os primeiros sete meses do governo Lula, o mês de maio teve registro de derrubada superior a 800 km² e houve um recorde mensal, em fevereiro (mais de 320 km² derrubados), com um salto de 62% de destruição em relação a fevereiro anterior.
Olhando para o dado anual de alertas de desmate, é o terceiro intervalo seguido de queda na derrubada de floresta amazônica, sempre segundo o Deter, após o pico alcançado de agosto de 2019 a julho de 2020, sob a gestão de Bolsonaro e de Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente.
Parte dos dados aqui apresentados é referente ao segundo semestre do ano passado, ainda sob Bolsonaro, governo marcado pela explosão do desmate na Amazônia. A equipe de transição ambiental do governo Lula chegou, inclusive, a discutir a possibilidade de separar os dados dos últimos meses do governo anterior da taxa de desmate anual Prodes (programa dedicado exclusivamente à mensuração da derruba de mata) divulgada próximo ao fim do ano.
Segundo Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, a redução relativamente rápida vista no desmate pode ser relacionada a ações de comando e controle. Mas ela aponta também uma combinação de fatores. “Tem o discurso de desmatamento zero, planejamento com o PPCDam [Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal], os órgãos ambientais podendo trabalhar (sem a capacidade necessária, mas estão onde precisam trabalhar), e isso combinado com um sinal claro para os agentes econômicos”, diz Unterstell. “É uma equação muito bem montada. Se o resultado não fosse esse, seria estranho.”
Em nota, o WWF-Brasil afirma que a diminuição vista mostra que o governo brasileiro tem se comprometido com o combate ao desmatamento. Ressalva, contudo, de que será necessário mais esforço para atingir o desmatamento zero. “Para zerar o desmatamento será necessário ir além dessas medidas, com a destinação das florestas públicas, a proteção de áreas chave para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos e a demarcação de territórios indígenas”, diz Mariana Napolitano, gerente de Conservação da entidade.
O Observatório do Clima, organização que reúne dezenas de entidades ambientais, afirma que a redução de destruição observada em julho deste ano chega a ser surpreendente, devido ao acelerado desmate que vinha ocorrendo no segundo semestre do ano passado.
“O dado mostra que a Amazônia vive de expectativa. Quando você tinha o governo federal defendendo grileiro, chamando madeireiro ilegal de cidadão de bem e atacando indígena, o sinal da ponta era de que toda a destruição seria premiada. Agora o crime entendeu que o cenário mudou e que infratores serão apanhados e punidos”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “A estrutura do Ibama não mudou, a legislação não mudou, ninguém inventou nenhuma ferramenta nova. A única coisa que mudou foi a determinação de cumprir a lei.”
DESTRUIÇÃO NO CERRADO CRESCE PELO 3º ANO
O alerta de desmatamento de 6.359 km² do cerrado representa um aumento de cerca de 16% em relação ao intervalo anterior (sempre medido de agosto a julho do ano seguinte). A série histórica do Deter para o bioma, com início em 2018, alcança o seu maior registro e, na contramão da Amazônia, seu terceiro aumento anual consecutivo.
Considerando apenas o mês de julho, os alertas dão conta de 612 km², o segundo mais alto já registrado, atrás apenas de 2021 (674 km²). Comparando os primeiros semestres de 2023 e 2022, o crescimento neste último foi de 21,7%.
Segundo o Código Florestal, propriedades privadas no cerrado, bioma que concentra intensa atividade agropecuária, podem desmatar -após autorização pelos órgãos ambientais competentes- áreas maiores do que o permitido na Amazônia. Enquanto nessa última deve ser conservada em pé (o que é chamado de reserva legal) 80% da área das propriedades privadas, para o cerrado esse valor é de 20% ou de 35% (caso de áreas de cerrado localizadas na Amazônia Legal).
O governo atualmente prepara um plano de combate ao desmatamento específico para o cerrado, o chamado PPCerrado, semelhante ao que é feito na Amazonia, o PPCDam.