Cintia Magno
Dubai, Emirados Árabes Unidos
Com o feito inédito da pacificação do discutido Fundo de Perdas e Danos logo na sua primeira plenária, a 28ª edição da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), em Dubai, nos Emirados Árabes, teve início com um saldo pontual positivo, mas os resultados efetivos de dias de negociações entre países de todo o mundo dependerão decisivamente do que se conseguirá alcançar nesta reta final da conferência, que encerra na próxima terça-feira (12).
Diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), que durante a COP tem o papel de contribuir com a participação da sociedade civil brasileira na conferência e ajudar no diálogo nacional e internacional, Maria Netto destaca que o lado positivo da primeira semana de COP28, que iniciou no dia 30 de novembro, fica por conta realmente da aprovação do Fundo de Perdas e Danos. Mas, ao analisar o contexto geral ao longo dos dias que se seguiram, os avanços estacionaram um pouco.
“Minha impressão da primeira semana, do lado positivo, é que a COP começou com um outcome importante, que talvez seja o único realmente grande ganho dela, que foi esse fundo de Perdas e Danos. A aprovação do Fundo de Perdas e Danos no começo da COP deu um bom tom positivo a ela e é um outcome muito importante sobretudo para os países mais vulneráveis, em particular àqueles que são não só muito vulneráveis, mas também tem níveis de pobreza alto. Então, podemos dizer que começamos bem”, avalia. “Apesar da gente ter tido chefes de estado para declarações, normalmente, a primeira semana da COP é uma semana mais técnica, de negociações de um nível um pouco mais de dia a dia e o que a gente sabe é que, à parte esse grande anúncio do Fundo de Perdas e Danos, sinceramente, não houve grandes coisas que saíram da primeira semana”.
É na segunda semana, porém, que iniciam de fato as negociações ‘duras’ da COP, sobre temas que demandam uma atenção especial. “Tem alguns temas que a gente está vendo sair na negociação dura e que é preciso ver como eles vão ser tratados. É sempre um pouco difícil nesse momento da negociação saber o que que vai ser de fato o resultado porque, em geral, nesse momento o pessoal fica mais duro e aí chegam os ministros e eles precisam ter alguma coisa para entrar num acordo e às vezes não entra”.
Carbono
Dois temas que estão em destaque, segundo aponta Maria Netto, é o da adaptação e o de mercado de carbono. A questão da adaptação tem importância ímpar para os países mais vulneráveis, porém, suas negociações encontram-se travadas dentro do cenário da COP. “O sentimento é que, ao mesmo tempo que o Fundo de Perdas e Danos foi aprovado e avançou, por outro lado, os países mais desenvolvidos, na verdade, estão bastante cautos de dar mais compromissos sobre financiamento para adaptação. Então, a agenda de adaptação está muito travada e apesar da pauta de perda e danos ser importante, ela é uma medida extrema para uma situação de desastres”, avalia. “Se se realmente a gente quer resolver o problema a longo prazo, a gente precisa apoiar a adaptação, então, é um tema importante, de confiança entre os países do Norte e do Sul, que precisa ser destravado para a gente chegar em um bom acordo lá na COP 30”.
É preciso aguardar o fim da COP 28 para ver como esse tema vai ser tratado, já que ele deverá dar o tom dos próximos dois anos nessa área e o financiamento de adaptação, sobretudo para os mais vulneráveis. Já o tema do mercado de carbono também era recebido com certo otimismo de que iria avançar um pouco mais rápido em uma regulamentação técnica. Maria explica que essa regulamentação é importante porque pode definir o que é elegível e o que não é, quais são os critérios de elegibilidade, como será possível usar o não. “E no setor que a gente chama remoção de gás efeito estufa, ou seja, restauração ou conservação florestal, a gente está vendo um impasse importante também. Todo mundo sabia que sempre houve um impasse, mas ficou muito transparente que os europeus, por exemplo, estão atualmente segurando um pouco a discussão da remoção de gases efeito estufa, os projetos de conservação, que a gente chama REDD+, em particular, estão parados. É muito difícil que saia alguma coisa nessa reunião. A parte que está sendo negociada com mais intensidade são os projetos de restauração, reflorestamento e florestamento”.
Brasil
A diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS) lembra que, para o Brasil, este é um tema extremamente importante porque, além da questão de conservação, o maior potencial que o Brasil tem de excedentes no futuro, de trazer investimentos futuros, está justamente nesse tipo de projeto: tanto de restauração do que já se desmatou na Amazônia como restauração também no cerrado, por exemplo, onde se tem savanas. “Essa é uma parte que agora tá contenciosa, nós vamos ter que ver onde vai”, avalia Maria. “Na terceira parte, que é um pacote de diferentes discussões, o Brasil trouxe algumas agendas novas sobre se os países vão poder ou não cumprir com a meta de 1.5⁰C, o compromisso de como os países vão implementar os compromissos que eles fizeram lá em Paris, as chamadas NDCs, e sobre como essas NDCs vão, até 2025, realmente demonstrar maior ambição”.
Na verdade, Maria destaca que este é um tema delicado, já que o chamado Global Sotocktake, ou relatório global, mostra que a maioria dos países não conseguiu avançar como se esperava na implementação. “A questão, agora, é como a gente aumenta a ambição ou como a gente ajuda a implementação nos próximos dois a três anos, como a gente pode mostrar que é capaz ainda de pegar esse tempo que falta pra não passar do 1,5⁰C, ou pelo menos para cumprir aquilo que os países disseram que iam fazer”, considera Maria Netto. “Essa é uma negociação difícil, é pouco provável que a gente tenha um acordo aqui claro sobre isso, mas eu acho que vai haver algumas mensagens que a gente tem que dar uma olhada. Vai ser importante dar uma olhada no resultado dessa semana para saber quais são as propostas na mesa”.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS).