“Deus, que hoje seja um dia tranquilo, sem estresse. Que eu não passe por nenhuma situação difícil, que tudo corra bem para que eu possa ter um dia de paz.” Era esse o ritual diário do psicólogo Weslen Araújo, 34, no caminho para a casa de recuperação onde trabalhava com dependentes químicos, em Rondonópolis, Mato Grosso.
Parado à sombra de uma árvore, a cinco minutos do trabalho, ele tentava se acalmar e controlar a pressão que subia sempre que estava prestes a chegar. Pensava na sobrecarga das várias responsabilidades que tinha e na frustração de não ser reconhecido por todo o esforço.
“Estava estressado porque tinha que resolver muita coisa, triste por não ser promovido e com raiva ao mesmo tempo. Fiquei chateado e esse sentimento só cresceu dentro de mim”, conta.
Weslen faz parte de uma parcela considerável de trabalhadores brasileiros que sofrem com estresse, tristeza e raiva. É o que mostra uma pesquisa da Gallup, consultoria especializada em análise comportamental no trabalho.
A Gallup procurou saber como 128 mil funcionários, em mais de 160 países, se sentem em relação ao trabalho e suas vidas.
O estudo “State Of The Global Workplace” revelou que os trabalhadores brasileiros estão em quarto lugar na América Latina em sentimentos de raiva e tristeza, e em sétimo lugar quando se trata de estresse.
Cerca de mil pessoas em cada país ou região responderam por telefone a uma série de perguntas traduzidas para seu idioma nativo.
Quando perguntados se vivenciaram estresse no dia anterior, 46% dos trabalhadores brasileiros disseram que sim.
Apesar de o número representar quase metade dos entrevistados, o Brasil ficou atrás de seis países da América Latina nesse quesito.
Trabalhadores da Bolívia (55%), República Dominicana (51%), Costa Rica (51%), Equador (50%), El Salvador (50%) e Peru (48%) estão ainda mais estressados, conforme o ranking.
Paraguaios (34%) e jamaicanos (35%) são os menos estressados da América Latina.
Quando o assunto é raiva e tristeza, os brasileiros sobem três posições no ranking.
Em raiva, o Brasil (18%) perde apenas para Bolívia (25%), Jamaica (24%) e Peru (19%). Uruguai e México estão em último, com 9% e 7%, respectivamente.
Já em tristeza, trabalhadores da Bolívia (32%), El Salvador (26%) e Jamaica (26%) aparecem na frente dos brasileiros (25%). Os menos tristes são os paraguaios (34%) e os panamenhos (15%).
INFLUÊNCIA DE FATORES EXTERNOS
Especialistas ouvidos pela reportagem concordam que fatores externos impactam e intensificam as emoções, e interferem nas esferas de subjetividade do trabalhador.
Segundo Nilton Ota, professor do departamento de Psicologia Social e do Trabalho da USP (Universidade de São Paulo), é preciso levar em consideração a complexidade dos sentimentos e dos ambientes em que estão inseridos.
As emoções podem variar culturalmente de país para país e ser diretamente influenciadas pelo contexto em que ocorrem, como a dinâmica familiar, o regime de trabalho e as mudanças econômicas.
“O trabalho molda aspectos importantes da subjetividade, que não ficam restritos ao ambiente profissional, mas se estendem à vida privada e familiar. Um problema no ambiente de trabalho, por exemplo, pode impactar a dinâmica familiar, atribuindo novos significados às emoções envolvidas”, afirma Ota.
O contexto econômico também deve ser levado em consideração. Alguns países são mais industrializados, com produtos de alto valor agregado e muito avançados, outros menos, por exemplo.
Segundo Ota, a regulação trabalhista de um país impacta diretamente a experiência e a saúde dos trabalhadores, porque interfere na rotatividade e na precarização do trabalho.
No caso do Brasil, o aumento da pejotização é um fator relacionado por especialistas a vulnerabilidades, pois interrompe a continuidade da proteção ao trabalhador.
A trajetória “ioiô” é típica de trabalhadores precarizados. Sem acesso a direitos trabalhistas, eles acabam circulando pelo mercado de forma instável, fazendo serviços temporários, com alternância entre emprego e desemprego.
“Políticas públicas conduzidas pelo Estado são essenciais para garantir essa proteção contínua. Sem elas, retrocederíamos a um modelo de mais de um século, em que a responsabilidade pela proteção do trabalhador era delegada moralmente ao empregador, sem amparo jurídico”, afirma Ota.
Além disso, a pandemia de Covid-19 ainda influencia a saúde mental. “Mesmo após dois anos, o trauma coletivo permanece”, afirma Lucia Barros, criadora do primeiro curso de mindfulness e ciência da felicidade na ESPM (Escola Superior de Publicado e Marketing).
EMOÇÕES DESAFIADORAS, NÃO NEGATIVAS
Barros também é autora do livro Filosofia de Bem Viver, publicado pela Companhia das Letras. Segundo ela, é importante não rotular emoções como raiva, tristeza e estresse como negativas, mas como desafiadoras ou desconfortáveis.
“Vivemos numa sociedade que acredita que todos devem estar alegres o tempo todo, o que é completamente irreal”, afirma.
“Se uma emoção é negativa, tendemos evitá-la, achando que algo está errado. Mas as emoções são apenas uma informação, que indica se uma situação é confortável ou desconfortável. Elas são necessárias para impulsionar mudanças”, diz Barros.
O psiquiatra Arthur Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) diz que o médico Hans Selye foi o primeiro a tentar entender o estresse na sua dimensão biológica. Selye descobriu que o sentimento é causado pelo hormônio cortisol, como uma reação natural do corpo.
No entanto, o estresse passa a ser um problema emocional caso se torne crônico ou mal administrado.
“A desregulação do estresse pode nos deixar em um estado ineficiente, e a raiva e a tristeza acabam surgindo como o resultado final desse estresse mal gerido”, afirma Danila.
Segundo o psiquiatra, uma pessoa estressada vive em um nível de alerta constante, preocupada, mais irritada e mais triste. Mas nem tudo é causado apenas por estresse.
Tristeza ou raiva também podem desencadear o estresse, além de uma série de outros fatores mentais que precisam ser diagnosticados corretamente, como a depressão ou o burnout.
Além disso, o psiquiatra aponta que o estresse tende a ser menos reconhecido. Talvez por isso o Brasil ocupe o quarto lugar no ranking de tristeza e raiva entre trabalhadores, mas o sétimo em estresse.
Práticas como mindfulness, meditação e o gerenciamento da atenção podem ajudar a reduzir o impacto negativo desses sentimentos no dia a dia, de acordo com Barros.
“A colaboração e o cultivo de relacionamentos saudáveis são fundamentais para promover o bem-estar. Encontrar e nutrir um propósito de vida, especialmente no trabalho e nas conexões sociais, pode também proporcionar um sentido de realização e felicidade”, afirma.
VITOR HUGO BATISTA/SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)