O caminho percorrido por uma multidão todo segundo domingo de outubro, em Belém, já está gravado na memória de quem é devoto de Nossa Senhora de Nazaré. Mas esse nem sempre foi o trajeto do Círio. Há 231 anos, quando o caminho que hoje atende pelo nome de avenida Nazaré ainda era marcado por um cenário rural, Belém vivenciou a concretização do primeiro Círio de Nazaré de sua história.
Desde que a primeira procissão saiu às ruas da capital paraense, ainda no dia 8 de setembro de 1793, foram incontáveis os marcos históricos que levaram a romaria a ser considerada a maior manifestação católica do povo paraense e, para muitos, uma das maiores festas religiosas do mundo.
O professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Márcio Couto Henrique, contextualiza que apesar de a primeira procissão do Círio ter sido realizada em 1793, a devoção a Nossa Senhora de Nazaré em Belém é anterior a isso. “Primeiro se desenvolveu a devoção popular, depois surgiu o Círio”.
O historiador, que integrou a equipe de pesquisa histórica e foi co-autor do “Dossiê Círio de Nazaré” (IPHAN), que concedeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro ao Círio de Nazaré, relata que o que documentos históricos registram é que, em 1793, o governador da então Capitania do Grão-Pará, Francisco de Souza Coutinho, pensou a realização de uma grande feira de produtos regionais para dinamizar a economia da região.
Não à toa, ele decidiu fazê-la no período em que a movimentação gerada pela devoção a Nossa Senhora de Nazaré se intensificava em torno da pequena capela que abrigava a imagem que teria sido encontrada por Plácido.
Neste sentido, o professor Márcio Couto Henrique destaca que o então governador da Capitania do Grão-Pará, Souza Coutinho, é considerado o instituidor do Círio de Nazaré. Já Plácido, responsável pelo achado da imagem, é o instituidor da devoção a Nazaré em Belém. “De todo modo, a realização do primeiro Círio contou com a presença das autoridades do governo, da igreja, além dos devotos populares da santa. A origem popular da devoção a Nossa Senhora de Nazaré em Belém do Pará certamente é uma das características principais do Círio de Nazaré. Trata-se de uma devoção e de uma festa de origem popular, apropriada pelo Estado. Mas, sua força segue sendo a presença popular”.
Assim como a data de realização da procissão, o trajeto cumprido no primeiro Círio e até mesmo a forma como a imagem foi transladada também foram diferentes dos vistos hoje. O historiador Márcio Couto Henrique cita que, de acordo com o padre Florêncio Dubois, o trajeto do primeiro Círio de Nazaré saiu do então Palácio do Governo, construção que hoje abriga o Museu do Estado do Pará. “Do Palácio do Governo a procissão seguiu à margem do alagado do Piri até a Casa das Canoas (atual Ver-o-Peso). À altura da rua da Praia (atual 15 de novembro), havia uma ponte que atravessava o Piri. A procissão seguiu até o convento de Santo Antônio, dobrou na estrada da Campina e entrou na Estrada do Maranhão (atual avenida Nazaré), até alcançar o arraial”.
A saída da procissão do Palácio do Governo foi mantida até 1882, quando o Círio passou a sair da Catedral Metropolitana de Belém, a Igreja da Sé, como é mantido até hoje. Ao longo do tempo, o percurso do Círio de Nazaré ainda sofreu outras alterações (confira o box).
Com relação ao traslado da imagem, o professor Márcio Couto Henrique explica que, no primeiro Círio de Nazaré, a imagem da santa foi transportada em um palanquim, carregada no colo do arcipreste José Monteiro Noronha. A Berlinda surgiu apenas anos depois, assim como a corda. “Do primeiro Círio, conservam-se na Festa de Nazaré, a Trasladação, a procissão principal do Círio, a imagem conhecida como “original”, o arraial, o recírio e o almoço do Círio”, enumera. “Alguns elementos desapareceram ao longo do tempo, como o Carro dos Fogos, que seguia à frente da procissão. Outros foram sendo acrescentados, como a corda que puxa a berlinda com a imagem da santa, em data incerta do século XIX. No século XX, vários elementos foram introduzidos na Festa de Nazaré, a exemplo da imagem peregrina (1967), a Romaria Fluvial (1986) e a Romaria dos Motoqueiros (1990)”.
PERCURSO
Ao longo do tempo, o percurso do Círio de Nazaré sofreu alterações até chegar ao trajeto atual. Confira alguns dos trajetos já realizados pela procissão ao longo da história:
1793, o primeiro Círio
Trajeto, segundo registros do padre Florêncio Dubois: do Palácio do Governo a procissão seguiu à margem do alagado do Piri até a Casa das Canoas (atual Ver-o-Peso). À altura da rua da Praia (atual 15 de novembro) havia uma ponte que atravessava o Piri. A procissão seguiu até o convento de Santo Antônio, dobrou na estrada da Campina e entrou na Estrada do Maranhão (atual avenida Nazaré), até alcançar o arraial.
1918
Trajeto: Em 1918, o percurso do Círio era Praça Frei Caetano Brandão – Dr. Assis – Travessa da Vigia – Praça Independência (hoje Praça Dom Pedro II) – Av. 16 de novembro – Rua 15 de Novembro – Praça Visconde do Rio Branco (Mercês) – Rua da Indústria (atual rua Gaspar Viana) – Largo e rua de Santo Antônio – Rua Padre Prudêncio – Largo de Santana – Rua Paes de Carvalho (hoje rua Riachuelo) – Av. 15 de agosto (atual avenida Presidente Vargas) – Praça da República – Av. Nazaré e Largo de Nazaré.
A partir de 1930
Trajeto: o percurso passou a ser Praça Frei Caetano Brandão – Rua Padre Champagnat – Avenida Portugal – Avenida Boulevard Castilhos França – Avenida Presidente Vargas – Avenida Nazaré, trajeto seguido até os dias de hoje. Assim, evitavam-se as ruas pequenas no trajeto, pois o aumento do número de devotos a cada ano dificultava a passagem por elas.
Fonte: Márcio Couto Henrique, professor da Faculdade de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrou a equipe de pesquisa histórica e foi co-autor do “Dossiê Círio de Nazaré” (IPHAN), que concedeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro ao Círio de Nazaré.