CULTURA ALIMENTAR

Círio espelha a cultura alimentar local

Desde as primeiras romarias, os arraiais já comercializavam alimentos típicos da região em uma linha do tempo que agrega costumes de cada época

Almoço do Círio guarda um histórico da cultura gastronômica do paraense ao longo dos anos

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Almoço do Círio guarda um histórico da cultura gastronômica do paraense ao longo dos anos CRÉDITO FOTO

O Círio de Nossa Senhora de Nazaré e a cultura alimentar paraense estão ligados desde a origem da festividade. Ainda no século XVIII já se observava a realização, durante o período do Círio, dos arraiais onde se comercializavam comidas típicas da região. Tradição que influenciou a forma como esses alimentos são comercializados até hoje.

A historiadora da alimentação e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Sidiana Macêdo, considera que o Círio de Nazaré, além de uma festa religiosa, também se configura como um lugar de lazer associado à alimentação junto aos familiares. Não à toa, essa relação está presente em muitos relatos ligados à festividade. “Daniel Kidder, pastor metodista, quando esteve nas províncias do Norte, na primeira metade do século XIX, nos informa que ‘A maior festividade religiosa que se celebra no Pará é a de Nossa Senhora de Nazaré’. Essa festa, em meados do século XIX, foi então descrita por Henry Bates como ‘a mais importante de todas essas festas’, sendo ‘uma festa típica do Pará’. Bates nos informa que nos festejos religiosos era comum encontrar: ‘(…) mulheres negras, vistosamente trajadas, enfileiram-se ao longo do caminho que vai desembocar na entrada da igreja, com suas barraquinhas de bebidas, doces e cigarros, que são vendidos aos forasteiros’, cita a professora. “Enfim, o Círio é uma festa religiosa que também está sempre associada aos quitutes regionais e pratos típicos, sendo uma festa do paladar, dos sabores e das memórias construídas em torno da alimentação. Nesse sentido, as comidas e as práticas alimentares do Círio de Nazaré são como um código de lazer e pertencimento importante na construção de um ethos social”.

ARQUIVO

A partir deste entendimento, se observa que as práticas alimentares vivenciadas nesses arraiais durante o Círio persistem até os dias de hoje. Desde o século XIX, o arraial se apresenta com a mesma configuração, envolvendo a venda de comidas, brincadeiras e a presença de fogos de artifício. No que se refere às comidas, a historiadora da alimentação destaca que as comidas do Círio sempre foram variadas, indo dos pratos típicos como maniçoba e pato no tucupi, até pratos que aparentemente não eram característicos “dessa época”, como o Peru. “A mesa do Círio também era/é lugar do Peru assado com farofa, desde o século XIX. Assim, na festividade de Nossa Senhora de Nazaré, em outubro de 1885, o jornal Diário de Notícias, trazia anúncios de alguns lugares de comer que dentre as opções de pratos, havia o Peru. Desta forma, o Café Paris em Nazareth oferecia ao seus fregueses ‘(…) perú preparado de qualquer maneira, gallinhas, frangos, casquinhos de carangueijo, peixe, roastbeef, fiambre, bifes, canja de gallinha (…) nem só para ceiarem, como também para apreciarem à popularíssima festa do arrayal’”, cita a professora. “Também era lugar do açaí assado na hora, do carrinho de caldo de cana, dos pasteis de camarão e rebuçados de cupuaçu. Na atualidade, você pode encontrar maçã do amor, hot-dog e churrasquinho também”.

MUSEU DO CÍRIO

Essa relação entre o Círio e a cultura alimentar é evidenciada, inclusive, na materialidade do acervo do Museu do Círio, na medida em que muitos ex-votos fazem referência a práticas alimentares. O pesquisador e curador das exposições do Museu do Círio do Sistema Integrado de Museus, Anselmo Paes, destaca, por exemplo, uma barraquinha de cachorro-quente que foi levada à procissão do Círio por um devoto como forma de agradecimento e que hoje compõe o acervo do museu.

“É uma barraquinha de cachorro-quente, que é uma característica da urbanidade de Belém, dessa alimentação nas ruas de Belém. Então, é muito importante nós entendermos essa ligação muito forte entre alimentação e o Círio. Ela vai surgir através de brinquedos de Miriti que muitas vezes representam animais, como o Pato no paneiro, nós temos a representação da tacacazeira. Então, é muito difícil desvincular essa discussão da alimentação do Círio”.

PARA ENTENDER

PRATOS DO CÍRIO

l Pato no tucupi

l Maniçoba

l Peru assado

l Vatapá

l Arroz com galinha

l Churrasquinho

l Frango no tucupi

l Pernil assado

l Porco no tucupi

l Casquinha de caranguejo

l Peixe

l Maçã do amor

l Sobremesa de cupuaçu

l Camarão