HISTÓRIA DE FÉ

Círio 2024: Eles carregam na própria identidade a história da devoção

Os nomes devotados a santos da igreja católica surgiram no início da história do cristianismo de maneira espontânea.

Nazareno Dias. No nome, já carrega uma história de fé e devoção por Maria.  Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.
Nazareno Dias. No nome, já carrega uma história de fé e devoção por Maria. Foto: Mauro Ângelo/ Diário do Pará.

Os nomes devotados a santos da igreja católica surgiram no início da história do cristianismo de maneira espontânea. O propósito estava ligado à criação de um costume cristão contra a crescente tendência de batizar os filhos com nomes dos antepassados pagãos. A ideia de nomear dessa forma reflete, ainda hoje, na crença no poder do cânone em proteger a crianças que portam o nome consigo, bem como celebrar e perpetuar a memória do santo católico.

Maria de Nazaré Costa. Foto celso Rodrigues/ Diário do Pará.

Em Belém, a tradição se revela nas homenagens de Nossa Senhora de Nazaré, patrona dos paraenses. Maria de Nazaré, Nazaré, Círia ou Círio e Nazareno são fruto do pagamento de promessas, graças alcançadas ou do nascimento durante a festividade mariana. A forma de relação com a santa demonstra, também, a maneira singular de devoção do povo paraense ao sagrado católico.

Maria de Nazaré Melo além de receber o nome da santa, também nasceu no dia de um domingo de Círio. Foto celso Rodrigues/ Diário do Pará.

Maria de Nazaré Melo carrega a força da Rainha da Amazônia no nome há 56 anos. Sem previsão de nascimento e desconhecendo o sexo do bebê, a mãe dela começou a sentir os primeiros sinais da sua vinda no sábado da Trasladação e logo soube que a filha nasceria no dia seguinte. No domingo do Círio, 11 de outubro, na década de 1960, ela veio ao mundo para receber a alcunha da mãe de Jesus em homenagem à padroeira dos paraenses. Na época, a tradição dos nomes nazarenos ainda era bastante forte e, sendo assim, não haveria um mais apropriado para carregar durante a vida.

“Meu nascimento não foi uma coisa programada, mas como eu nasci no dia do Círio, a minha mãe teve a ideia de colocar meu nome Maria de Nazaré. Ela já tinha pensado em colocar Márcia, mas quando eu nasci no dia da procissão, na maternidade, minha mãe escolheu esse nome. Eu fico muito feliz por ser Maria de Nazaré e me sinto, de certa forma, protegida pela mãe de Jesus. É muito especial ter nascido nessa época porque as pessoas estão felizes, se preocupam em fazer o bem, em evangelizar, fazer doações, se entregar mesmo ao próximo”, revela a empresária.

A cada cinco anos, o aniversário de Nazaré coincide com o domingo de Círio. Mas o nome e a data de nascimento não são os únicos legados da devoção familiar por Nossa Senhora. Há 20 anos, ela dá continuidade à história de fé através da doação de água, durante o Círio, e alimentos para os peregrinos que chegam à Casa de Plácido, uma forma de devoção à santa que sempre lhe acompanha.

“Eu considero a ajuda ao próximo uma forma de devoção particular a Nossa Senhora. Comecei a entregar água no Círio quando poucas pessoas faziam isso e vi toda essa evolução. É só depois de entregar que eu vou acompanhar a procissão. Como eu sou muito envolvida na igreja, recentemente eu faço doação para Casa de Plácido para contribuir com os romeiros que passam a noite em peregrinação”, diz Maria de Nazaré.

O auxílio aos promesseiros é o meio pelo qual ela estreita os laços com a Mãe dos Paraenses e faz jus ao nome de Maria. “É um nome muito forte, não é como um nome comum. É um nome muito sério e carregá-lo é uma tarefa difícil. Quando eu era criança, eu não entendia, mas quando passei pela adolescência já comecei a entender a importância do meu nome, e gosto dele. Gosto porque é Maria de Nazaré. Acho que ele passa uma ideia de benção, de conexão com Nossa Senhora, de saber que ela está próximo de mim e, até por isso, eu busquei conhecê-la melhor”, reflete a devota.

A devoção pela padroeira dos paraenses determinou a escolha do nome de Maria de Nazaré Costa, há 50 anos. Os pais, muito católicos, resolveram homenagear a Santa nomeando a filha, nascida em dezembro, com um dos títulos de Maria, que teve veneração iniciada em Portugal, no século XII. Desde criança, a fé em Nossa Senhora ultrapassa a denominação e a alcunha, Nazinha, e se materializa nas tradições familiares do Círio de Nazaré, uma forma singela de devoção particular.

“Meu nome foi dado pelos meus pais que eram devotos de Nossa Senhora de Nazaré. Eles não tinham nenhuma promessa, mas eram muito católicos, sempre acompanhavam o Círio e queriam homenagear Ela colocando o meu nome como Maria de Nazaré. Eu gosto muito do meu nome porque também sou devota dEla desde pequena. Quando criança, me lembro que todo ano eu acompanhava a procissão da Sé até a Basílica com meu pai. Ele vinha agradecer pelo ano, enquanto a minha mãe ficava em casa preparando o almoço, era a forma de devoção deles”, relembra a devota.

Há sete anos, a devoção de Nazaré se fortaleceu em Nossa Senhora, período em que começou a trabalhar na Basílica Santuário como auxiliar de serviços gerais. “Teve uma época que eu fiquei desempregada depois de cinco anos trabalhando no aeroporto. O contrato acabava em fevereiro e em janeiro eu já tinha mandado currículo pra cá. Em setembro me chamaram para trabalhar apenas pelo Círio e eu aceitei. Estou aqui há sete anos. Trabalhar perto de quem me deu o nome é uma alegria, é uma grande satisfação estar servindo a casa dela. Eu também considero o meu trabalho uma forma de devoção”, afirma Nazaré.

Nascido no dia 9 de outubro de 1963, em uma quarta-feira que antecede o Círio, Nazareno Dias foi nomeado através da devoção dos pais a Nossa Senhora de Nazaré. A escolha foi fruto de uma promessa do pai em dar continuidade aos nomes das filhas em referência à mãe de Jesus. Nesse caso, se a criança nascesse do sexo feminino seria chamada de Maria de Nazaré. No nascimento, ainda na maternidade da Santa Casa de Misericórdia do Pará, o genitor descobriu ser um menino, o qual nomeou Nazareno, a partir da ideia de um amigo.

“Quando a minha mãe estava grávida, meu pai fez uma promessa: se fosse mulher, se chamaria Maria de Nazaré. Na hora que eu nasci, ele estava na Santa Casa junto de um amigo e o médico disse para ele que tinha nascido um homem. Ele pensou ‘e agora, o que eu vou fazer? Foi aí que esse amigo deu a ideia de ser Nazareno porque levava Nazaré no meio do nome. E assim ficou”, relata o autônomo.

Nazareno significa “natural da cidade de Nazaré”. E por que esse lugar não poderia ser os braços de Maria? Mesmo criado em um lar católico, aos 16 anos, Nazareno descobriu a própria missão na Umbanda, mas garante que permanece devoto de Nossa Senhora de Nazaré até hoje, a quem nutre admiração e vincula as graças alcançadas do dia a dia.

“Eu gosto do meu nome e levo a devoção ao meu jeito porque hoje já não acompanho a procissão. Eu me considero católico apostólico romano e umbandista. Eu sempre peço a Ela pelo básico para se viver: saúde, prosperidade e conquistas. A gente faz conta de quanto livramentos e milagres acontecem na nossa vida. Só de estarmos vivos, respirando, retornar para casa à noite e dormir já é uma grande graça que Nossa Senhora nos dá”, reflete Nazareno.