Cintia Magno
A história do achado da imagem de Nossa Senhora de Nazaré por Plácido José de Souza – recontada a cada novo mês de outubro – marca a origem da procissão que leva mais de 2 milhões de pessoas às ruas do centro de Belém, o Círio de Nazaré. Apesar desse grande marco histórico, a devoção dos paraenses pela Virgem de Nazaré vem de antes desse fato.
O professor de história e cientista da religião, Márcio Neco, explica que a devoção do Círio de Nazaré não tem origem na fundação de Belém. Na verdade, essa devoção a Nossa Senhora de Nazaré vem de Portugal, trazida pelos portugueses da Ilha de Açores, que vão se estabelecer em Belém. “Quando há a chegada dos portugueses em Belém, tinha se passado um pouco mais de 100 anos da Reforma Protestante e da Contrarreforma católica, então, os portugueses tinham, de fato, um plano de vir para as Américas para conquistar novos fiéis, novos seguidores do catolicismo”, explica.
“Então, os açorianos, que já cultivavam essa devoção a Nossa Senhora de Nazaré lá em Portugal, vêm para cá e trazem essa devoção para Belém. Mas, antes disso, essa devoção vem primeiramente com os Jesuítas e vai se estabelecer primeiramente na Vigia”.
O historiador conta, portanto, que a devoção a Nossa Senhora de Nazaré vai se consolidar inicialmente no município de Vigia de Nazaré, se fortalecendo com a chegada dos portugueses açorianos.
“Para esses portugueses, a imagem de Nossa Senhora tinha muita relação com as águas, devido Portugal e Espanha terem sido pioneiros nas grandes navegações. Então, esses portugueses da Ilha de Açores saem para conquistar essa América portuguesa, da qual hoje em dia nós temos o território do Brasil, e eles vão trazer a devoção de uma Santa que os auxiliava nos momentos difíceis, quando eles precisavam, que é a devoção a Nossa Senhora de Nazaré. Então, ela chega em Vigia por esses colonos açorianos que vão se estabelecer lá e, posteriormente, em Belém”.
Devoção vai crescer sobretudo entre os mais pobres
Márcio Neco destaca, ainda, que é interessante observar que, quando esses portugueses chegam a Belém, encontram uma devoção muito grande a Nossa Senhora de Nazaré, mesmo em um contexto em que ainda não se tinha ainda uma igreja em homenagem à Santa.
“É interessante que quando estes portugueses chegam em Belém, eles não têm uma igreja dedicada à Nossa Senhora de Nazaré, então, vai surgir a lenda de que um homem sai, diariamente, da Cidade Velha e adentra um caminho chamado Estrada do Maranhão ou Estrada do Utinga, em direção ao Engenho do Murucutu, e um dia ele vai achar uma imagem. Esse homem acha essa imagem, leva para a sua casa e faz ali suas orações, mas no dia seguinte essa imagem não está mais lá. Aí ele volta a repetir esse trajeto cotidiano e vai achar a imagem de novo naquele mesmo local. Este mito de ela ir e voltar é o que vai, depois, dar a ideia do Círio de Nazaré”, conta, ao lembrar a história do achado da imagem por Plácido. “Eu vejo esse achado, na verdade, como uma modalidade de aparição de Maria em terras amazônicas, já que ela vai se dar também diante da figura do igarapé, das árvores, da mata, de todo esse contexto amazônico mesmo”.
Outro aspecto importante destacado pelo professor é que o achado da imagem vai se dar por um homem que, conforme os relatos, era de origem pobre. Logo, aquela devoção vai crescer sobretudo entre os mais pobres, que passam a visitar a imagem na pequena ermida onde ela foi inicialmente abrigada para fazer pedidos e agradecimentos.
“Por isso que Nossa Senhora de Nazaré também é a Santa dos desvalidos, dos pobres. E aí vai se iniciar toda uma devoção, que vai de 1700 a 1793”, conta. “Naquela época Belém vai passar por problemas de epidemias e, em um período colonial, em que nós não tínhamos recursos de hospitais e de atendimento médico, é àquela imagem, naquela choupana, que as pessoas mais pobres vão recorrer e aí vai se consolidar, então, uma grande devoção”.
Diante de uma devoção popular intensa, mesmo sem a existência de uma igreja estabelecida em sua homenagem, a peregrinação de fiéis que anualmente iam até a choupana para fazer agradecimentos, levar ofertas e pagar promessas vai chamar a atenção. Até que, em 1793, o então o governador Francisco Souza Coutinho decide estabelecer que no dia 8 de setembro de 1793, à tarde, haveria uma grande procissão em homenagem à Santa, neste que foi o primeiro Círio de Nazaré da história de Belém.
“Era uma devoção completamente popular, lá naquela pequena cabana, mas ao organizar essa grande procissão o Francisco Souza Coutinho, que já representava o Estado, também vai inserir a Igreja. Por isso que o primeiro Círio vai sair com as autoridades eclesiásticas, com militares, com outras pessoas de grande importância na sociedade da época, além de populares”.