Os chamados “Body Horror” não são um gênero novo. Basta lembrarmos, por exemplo, que mesmo no início do cinema mudo já havia muitas obras que se apropriariam de elementos relacionados ao corpo humano, a partir do choque e do grotesco, para contar suas histórias e fazer crítica social.
De “Haxan” até “Metrópolis”, e assim foi até clássicos absolutos como “A Mosca” e “Enigma do Outro Mundo”, que consagraram nomes como David Cronemberg e John Carpenter e que permanecem no imaginário autoral de cineastas atuais como Julia Ducorneau e Richard Stanley.
A diretora Coralie Fargeat parece ser uma “partidária” desse subgênero (seu outro filme, “Vingança”, eu não assisti), para criticar a indústria capitalista e o mercado que massacra a autoestima das mulheres e provoca uma corrida por padrões irreais de beleza, e faz com elas sejam capazes de procurar todo tipo de subterfúgio para se adequar a esse modelo “aceitável” por executivos e uma audiência machistas.
Para isso, ela usa o recurso do alter-ego mais jovem (um conceito usado muitas vezes em Hollywood, a partir da literatura de “O Médico e o Monstro”), mas com todo tipo de gore e nojeira possível para reforçar o processo de transformação da personagem principal, Elizabeth Sparkle, uma estrela do cinema que se vê solitária e deslocada à medida que envelhece. Para mudar isso, tem contato com uma empresa que promete um processo de rejuvenescimento a partir da duplicação do próprio corpo. Mas existem regras para isso.
Fargeat consegue estabelecer a atmosfera de angústia e urgência que o filme precisa. Tem uma trilha angustiante e sabe trabalhar a fotografia e a montagem para estabelecer essas demandas. Mas, talvez, a insegurança de parecer excessivamente autoral dilui um pouco esse impacto da trama.
Há planos ousados ou demorados demais, prejudicando o ritmo da narrativa e o interesse do público. Falta aprender um pouco mais com Ducorneau sobre isso. Para quem quer criticar a misoginia presente na sociedade e também no cinema, ela também abusa dos planos indiscretos de suas personagens.
Há ainda alguns clichês envolvidos aqui, como o fato da empresa operar “clandestinamente”, criando uma rede de submundo baseada em códigos e salas secretas, quando sabemos que o capitalismo age às claras nesse sentido. Acho que seria mais impactante se houvesse alguma conivência social para as ações da corporação.
De qualquer forma, é um filme único e divertido, principalmente pela entrega do elenco: Demi Moore (principalmente) e Margaret Qualley se despem de qualquer pudor ou vaidade para dar vida aos Doppelgänger que vão se transformando em monstros literais ou psicológicos.
E “A Substância” exige um nível de comprometimento absurdo. Bom para nós, que gostamos de cinema de horror.