Nildo Lima
Principal clássico do futebol da região Norte e um dos maiores do Brasil, o Re-Pa está no “berço”, hoje, comemorando 110 anos de muita rivalidade. O confronto, que reúne Remo e Paysandu, carrega a marca de ser o clássico mais disputado no mundo, merecedor de registro no Guinness Records, o Livro dos Recordes, com 775 partidas. Ao longo de tantos anos de rivalidade entre Leão e Papão, muitos foram os jogos, gols, conquistas e momentos inesquecíveis para quem vivenciou o duelo pelas mais diferentes competições ou em simples amistosos, algo que parece não existir para os azulinos e os bicolores.
O Re-Pa, disputado pela 1ª vez no ano de 1914, já nasceu grande em termos de público, como continua sendo até os dias atuais. O clássico realizado no estádio da empresa Ferreira & Comandita, hoje Leônidas Sodré de Castro, arrastou um público de cerca de duas mil pessoas ao local, conforme cálculos do jornal Correio de Belém em sua edição do dia seguinte ao do clássico. Uma plateia surpreendente, levando em conta a população da capital paraense na época. Um público que ainda hoje não é registrado em muitos jogos oficiais pelo Brasil afora.
O 1º clássico entre Leão e Papão, alcunhas dadas pelos jornalistas Edgar Proença e Everardo Guilhon, respectivamente, teve a vitória do Remo, por 2 a 1, com gols de Rubilar e Bayma (contra), para o time azulino, com Mathews anotando o gol de honra dos bicolores. O “match”, como se costumava dizer na época, valendo pelo Campeonato Paraense daquela temporada, foi disputado numa quinta-feira à tarde. Estava dada a largada para a brilhante história do Re-Pa, que hoje é conhecido mundialmente, sobretudo pela grande quantidade de jogos que registra e, também, pela paixão que desperta entre os torcedores.
Ao longo de sua centenária história, o clássico já ultrapassou fronteiras internacionais, sendo disputado por três vezes no Suriname, na cidade de Paramaribo. Em âmbito nacional, as capitais do Maranhão e Amapá, São Luís e Macapá, também acolheram o Re-Pa, despertando o interesse do público local. Em cidades do interior do Pará, o clássico, dentro das limitações dos estádios locais, arrastou grandes plateias em Bragança, Barcarena, Cametá, Soure e Castanhal.
Mas o palco principal do clássico, proporcional à sua grandeza, sem dúvida, é o Mangueirão, inaugurado na década de 1970. Desde então, a praça esportiva estadual tem abrigado os encontros entre azulinos e bicolores, sempre lotados por torcedores, que com suas cores e suas histórias dividem o Pará ao meio, mas unido pela imensa paixão pelo futebol.
PINTOU O SETE NUMA TELA AZUL
São muitos os feitos de Remo e Paysandu no desde que as equipes foram a campo pela 1ª vez, no dia 14 de junho de 1914. A vitória por 7 a 0, aplicada “sem dó e sem pena no maior rival” como diz a modinha popular, é um dos orgulhos da torcida do Papão. O resultado do clássico disputado no dia 22 de julho de 1945, no Baenão, valendo pelo Estadual, passados quase 79 anos, ainda serve de inspiração para que o torcedor do time bicolor não só se ufanar da grandeza de seu clube frente ao maior rival, mas também para a chamada tirada de sarro com os torcedores do adversário.
O Re-Pa teve em sua direção um árbitro de Copa do Mundo, o paraense Alberto Monard da Gama Malcher Filho, que esteve no Mundial de 1950, o 1º disputado no Brasil. Os gols do Papão foram anotados por Soiá (três), Hélio (dois), Farias e Nascimento (um). O Papão esteve em campo com Palmério; Iran e Athenagoras; Mariano, Manoel Pedro e Nascimento; Arleto, Hélio, Guimarães, Farias e Soiá. A equipe listrada era comandada, na época, por Floriano Rodrigues.
A partida teve os seus ânimos acirrados, com o árbitro tendo de expulsar de campo os jogadores Arleto, do Paysandu, e Vicente, do Remo. O Papão, com campanha brilhante, chegou ao título máximo do campeonato, que teve a Tuna Luso, como vice-campeã. Hoje todos os jogadores participantes do histórico Re-Pa são falecidos, mas deixaram, sem dúvida, uma das páginas mais lidas da história da rivalidade entre azulinos e bicolores, sobretudo por esses últimos.
O TABU E A SOBERANIA ATÉ HOJE INSUPERÁVEL
Num clássico de tamanha rivalidade e de tão consistente equilíbrio, construir um tabu de 33 jogos sem derrota diante do maior rival não é tão fácil e tão comum no futebol mundial. Pois o feito foi conseguido pelo Remo diante de seu mais tradicional rival. Algo que nem os torcedores mais otimistas seriam capazes de imaginar até que o tabu fosse construído partida a partida. Hoje, a proeza é cantada em verso e prosa pela torcida azulina em rodas de bate-papo, principalmente em vésperas e dias de Re-Pa. Nas ruas, aqui e ali, se encontra torcedor usando camisa alusiva à façanha.
A invencibilidade remista começou a ser escrita no dia 31 de janeiro de 1993, no Re-Pa de número 605, valendo pelo extinto Torneio Pará-Ceará, disputado, também, por Fortaleza-CE e Ceará-CE. O 1º clássico do tabu teve o placar de 0 a 0. O triunfo azulino se prolongou até o Re-Pa 637, quando o Leão aplicou 3 a 1 no rival, pelo Campeonato Paraense, no dia 7 de maio de 1997. O rosário de conquistas do Leão no período registra 21 vitórias e 12 empates. O Leão marcou nas 33 partidas 47 gols, sofrendo 18, um saldo de 29 tentos.
O tabu, de triste memória para torcida do Papão, chegou ao fim no dia 7 de junho de 1997, com a vitória do Papão, por 2 a 0, gols de Edinho e Vágner, em partida do 2º turno do Estadual da temporada. O sofrimento imposto pelo Remo ao grande rival, na linha do tempo, durou quatro anos, quatro meses e sete dias. No decorrer do tabu, o Leão conquistou os Estaduais de 1993 a 1997, tornando-se pentacampeão paraense.
OUTROS FEITOS MARCANTES DA HISTÓRIA DO RE-PA
O 1º gol
Coube ao remista Rubilar a façanha de marcar o 1º gol da história do clássico. O tento foi assinalado no clássico do dia 14 de junho de 1914, o 1º da história. A partida foi disputada no estádio da empresa Ferreira 7ª Comandita e que mais tarde viria a ser adquirido pelo Paysandu, se transformando no estádio Leônidas Sodré de Castro, popularmente chamado de “estádio da Curuzu”, onde outros tantos clássicos entre os dois grandes rivais foram disputados.
O 1º gol contra
Nem sempre o gol traz alegria para quem o marca. Marcar contra o próprio clube é algo que faz qualquer jogador perder a cabeça e, em alguns casos hoje, até mesmo o emprego, o que não aconteceu com Bayma, do Paysandu, que praticou o esporte numa época amadora. Foi dele o 1º gol contra registrado em Re-Pa justamente na partida que inaugurou a rivalidade centenária entre Leão e Papão. Com o tento marcado no jogo do dia 14 de junho de 1914, o jogador do Papão acabou contribuindo para a vitória remista por 2 a 1.
O 1º árbitro
Hoje é algo inimaginável, mas nos primórdios do futebol no Pará como no resto do Brasil, as partidas eram dirigidas por representantes dos próprios clubes. E foi assim que Guilherme Paiva, influente cartola remista, se transformou no primeiro “árbitro” a dirigir um Re-Pa, claro o de número 1 da história do Re-Pa. A indicação do nome do apitador partiu do próprio Remo e foi acatada, como costumava acontecer na época, sem contestação, pelos bicolores.
A 1ª expulsão
O Paysandu, por algum tempo, chegou a receber a alcunha de “Clube de Suíço”. Uma homenagem ao grande jogador da agremiação e ídolo dos torcedores bicolores em 1919. Pois foi justamente Suíço, que chegou a ser cogitado para defender a Seleção Brasileira da época, o 1º jogador a ser excluído de campo em um Re-Pa, quando ainda não existia o temido cartão vermelho, com a expulsão sendo comunicada verbalmente pelo árbitro. O jogador do Papão teve de deixar o campo mais cedo na partida do dia 6 de julho de 1919, vencida pelo Remo por 2 a 1.
O gol mais rápido
O ponteiro esquerdo Santana, do Remo, é o autor até hoje do gol mais rápido registrado em um Re-Pa. Foi no clássico do dia 15 de outubro de 1922, quando o Leão sapecou 5 a 1 no tradicional oponente. Com apenas um minuto de jogo, o atacante remista conseguiu balançar a rede bicolor, entrando para a história do clássico. Os demais gols do Leão foram assinalados por Pamplona (2) e Plamplona 2º (dois). Em tempo: Santana também defendeu a Seleção do Pará, Vasco-RJ, Flamengo-RJ e Seleção Carioca. O jogador faleceu no dia 1º de outubro de 1962, sendo sepultado na ilha de Mosqueiro.
O recorde de público
O duelo envolvendo os atacantes Dario, o “Rei Dadá”, pelo Paysandu, e Bira, pelo Remo, foi, sem dúvida, o grande chamariz de público para o clássico do dia 29 de abril de 1979, no Mangueirão. A partida registrou o recorde de torcedores em Re-Pa, com um público total de 63.010 pessoas no estádio, sendo 59.613 pagantes. O confronto envolvendo Leão e Papão marcou a estreia de Dario com a camisa do Papão, que ele defendeu por toda a temporada, se transferindo, depois, para o Sport-PE.