Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.
Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

REPORTAGEM ESPECIAL

Quem não sonhou em ser um jogador de futebol? Com a palavra, os boleiros

Pesquisa revelou que 57% dos homens acreditam que teriam condições de atuar na elite do futebol nacional se tivessem chance.

Sonho de ser um jogador de futebol vem desde criança. Foto: Wagner Almeida/Diário do Pará
Sonho de ser um jogador de futebol vem desde criança. Foto: Wagner Almeida/Diário do Pará

O Campeonato Brasileiro da Série A reúne os melhores jogadores do país, um espaço disputado por poucos. Ainda assim, a autoestima do boleiro brasileiro desafia a lógica: uma pesquisa inédita encomendada pelo site Bolavip Brasil revelou que 57% dos homens acreditam que teriam condições de atuar na elite do futebol nacional se tivessem tido a oportunidade.

Realizada pela agência de pesquisa de mercado RWB, a sondagem ouviu mais de 2 mil participantes entre os dias 25 e 28 de novembro do ano passado. Os números evidenciam uma percepção peculiar sobre o que é necessário para se tornar jogador profissional, já que, segundo a CBF, em 2019 existiam cerca de 90 mil atletas profissionais no Brasil, mas apenas 690 atuaram na Série A – ou seja, menos de 1% do total.

Na região Norte, talvez embalado pelo açaí, a pesquisa também revelou que a ‘boleiragem’ por essas bandas não ‘pipocou’ na hora de responder a breve enquete. A confiança bateu recorde: 59% dos entrevistados disseram que poderiam ser jogadores de futebol de elite. O Nordeste vem na sequência, com 48%, seguido por Centro-Oeste (42%) e Sudeste (41%). No Sul, o índice foi o menor do país, com 36% dos entrevistados se considerando aptos a jogar na primeira divisão.

Foto: Wagner Almeida / Diário do Pará.

A autoconfiança também é maior entre os jovens adultos: 57% dos entrevistados na faixa dos 25 a 34 anos afirmaram que teriam condições de atuar profissionalmente no mais alto nível do futebol brasileiro.

Na faixa-etária da pesquisa, Fernando Souza, boleiro paraense, endossa o otimismo. Aos 26 anos, o administrador entende que poderia, sim, fazer uma ‘graça’ profissionalmente. O motivo para isso é o que visualiza no gramado. “Pelo vejo aqui no nosso campeonato, acho que sim. A maioria são jogos feios, não assistimos mais jogos de alta qualidade, ainda mais em chuva onde todo mundo fica igual”, destaca.

Em meio ao lado bom, o lado ruim também foi questionado. Outro ponto abordado na pesquisa foi a disposição dos entrevistados em abrir mão de certos aspectos da vida para seguir uma carreira no futebol. Entre 11 sacrifícios comuns na trajetória de um jogador profissional, o mais aceito foi passar menos tempo com a família, algo que 20% dos participantes disseram estar dispostos a fazer. Já lidar com a violência que faz parte da rotina dos atletas – seja por ameaças, agressões físicas ou verbais – teve pouca aceitação: apenas 5% afirmaram que suportariam essa realidade.

A pesquisa também trouxe uma provocação: se você fosse jogador, seria melhor do que qual atleta? Entre os nomes sugeridos, 16% afirmaram que superariam Alisson, goleiro do Liverpool e titular da seleção brasileira nas últimas duas Copas do Mundo. Já o jogador menos citado foi Richarlison, do Tottenham: apenas 5% dos entrevistados disseram que jogariam mais do que o atacante.

Molecada acredita que pode ir longe


O futebol raiz segue vivo. No meio da tarde, em plena semana, a quadra do elevado na Praça Dorothy Stang, no bairro da Sacramenta, é um pequeno templo da bola. Ali, o Master Sport Clube, projeto social do treinador Antônio Denisson, reúne jovens talentos em busca de um futuro nos gramados. Entre dribles ousados, cortes secos, elásticos e tentativas de caneta e chapéu, a molecada de 10, 13 e 14 anos transforma as quatro linhas do ginásio em um verdadeiro Mangueirão, sem qualquer tipo de pressão na hora do drible.

Não à toa, se a pesquisa do BolaVip Brasil fosse realizada naquele pequeno alçapão, os dados de confiança iriam bater no teto quanto jogar na Série A e B – e com respaldo dos garotos pela desenvoltura.

No meio desse jogo solto, onde até o goleiro-linha arrisca um drible, um garoto de 13 anos deu o papo. Kaio Henrique, que joga bola desde ainda mais jovem, é rápido, tem categoria no passe e acredita que pode ir longe.

Com um olhar firme, fala sobre o que precisa para alcançar seu sonho: vestir a camisa do Paysandu. “Às vezes a gente só precisa de uma oportunidade, vontade não falta. Vou tentar uma peneira no Paysandu, porque esse é o meu sonho”, diz Kaio, sem esconder a determinação.

Foto: Octavio Cardoso/Diário do Pará

Ele sabe que talento não é tudo. Questionado sobre jogar a Série A ou até a B pelo Papão, admite que precisa melhorar fisicamente antes de dar um passo maior. “Ainda falta um pouco. Preciso treinar mais para melhorar minha condição física”, explica, humilde.

Luan Guilherme, de 14 anos, também se destaca. Diferente de muitos, ele não pensa duas vezes antes de afirmar: tem futebol para jogar na Série A. Para ele, confiança e trabalho andam lado a lado. “Eu treino muito, me dedico. Sou esforçado para ser o melhor”, disse.

Quanto jogar Série A ou B, o garoto não ‘pipocou’. “Eu me garanto jogar, sim. Confio nas minhas habilidades”, afirma com convicção. Volante de origem, Luan não se vê apenas como mais um no meio-campo. Sabe sair jogando, tem marcação forte e personalidade, qualidades que ele próprio destaca ao falar sobre seu jogo. “Eu ajudo o time. Não canso rápido e sei que sempre ajudo em algum momento”, disse.

O discurso firme acompanha a forma como joga. Dentro da quadra, Luan é intenso, briga por cada bola, se movimenta o tempo todo. Sabe que talento ajuda, mas que o esforço diário faz diferença. Seu sonho é seguir crescendo, buscar oportunidades e, quem sabe, um dia estar entre os grandes. Se depender da confiança e da vontade que mostra no ginásio da praça, o caminho já começou a ser trilhado.

Uma boa base é fundamental para o sucesso


A boleirada de plantão pode ter a confiança necessária para se credenciar na disputa de um título nacional, no suporte de uma campanha contra a zona da degola ou até mesmo para defender a amarelinha rumo a consagrações mundiais, conforme a pesquisa. Contudo, nem sempre o querer é poder no âmbito esportivo.

Desde 2019, Luiz Felipe Souza Santos dedica-se a ensinar futsal na escolinha do Cassazum. Para o treinador de 30 anos há uma série de fatores que determinam o sucesso na carreira, indo muito além do simples talento com a bola nos pés. Além da pressão psicológica, Luiz Felipe também destaca a importância da formação desde cedo. “Hoje em dia, vemos atletas profissionais errando fundamentos muito simples, parece que nunca passaram por uma escolinha, nunca tiveram esse aperfeiçoamento, aí você imagina quem sequer faz base”, observa.

Foto: Octavio Cardoso/Diário do Pará

No futsal, o trabalho com os fundamentos técnicos têm um papel essencial na formação de um jogador mais completo, algo que, segundo ele, nem sempre recebe a atenção necessária. “Trabalhar os fundamentos dentro do esporte, dentro dessa modalidade, de forma eficaz, é muito importante”, diz.

Outro ponto levantado pelo treinador envolve a preparação física e os desafios enfrentados pelos jogadores ao longo da carreira. Em sua visão, a jornada até o futebol profissional exige mais do que talento e força de vontade, por isso o mesmo aponta a diferença de um atleta para um mero jogador. “A diferença de um jogador com um atleta é que o jogador não tem o mesmo compromisso de um atleta. O atleta já tem esse foco no esporte, já são treinamentos específicos, de alta intensidade, um acompanhamento profissional, um acompanhamento psicológico. Então o jogador já é mais uma parte amadora, o jogador pode jogar só por lazer”, diz.