Nildo Lima
As mudanças sofridas pelo futebol nos últimos tempos, sobretudo fora das quatro linhas, seguidas pelos grandes craques, seus maiores protagonistas, têm influenciado no rendimento dos atletas, a maioria deles sem o mesmo brilho das chamadas estrelas de primeira grandeza do mundo da bola.
A alteração no comportamento e perfil dos atuais jogadores não é aprovada por ex-jogadores, que viveram épocas bem diferentes do futebol. Para estes, a mudança só tem causado prejuízos ao esporte, que, segundo eles, passou a figurar quase que em segundo plano para os profissionais, que acabam priorizando o extracampo em detrimento da carreira.
Na avaliação de quem vivenciou diferentes épocas do futebol, a inclusão do atleta de hoje no mundo da fama, onde figuram grandes nomes do cinema, da televisão e da música, entre outras artes, tem mais prejudicado que ajudado o futebol, seja onde for, e, pior, servido de mau exemplo para quem está começando na carreira. O médico Aderson Lobão, ex-jogador do Clube do Remo e do Flamengo-RJ, cita o caso de Neymar, principal ídolo do futebol brasileiro no momento, que tem frequentado mais as páginas de fofoca do que as da mídia esportiva.
“Hoje temos o Neymar como o ponto de referência maior no futebol brasileiro. A exposição que o atacante tem nas redes sociais é muito mais por conta das atitudes dele fora do que dentro de campo”, salienta Lobão. “Essa exposição do jogador acaba por contaminar e influenciar o atleta que está em formação”, complementa o ex-meio-campista, que em sua época de jogador conviveu apenas com a mídia tradicional, formada por rádio, jornal e televisão, sem as chamadas redes sociais para tirar o tempo dos profissionais da bola.
Outro ex-jogador, este ídolo da torcida do Paysandu, que critica a grande exposição dos atletas de hoje é Paulo Benedito dos Santos Braga, de 89 anos, conhecido como Quarentinha. “O que se vê hoje em dia, infelizmente, é o profissional dedicando mais tempo a coisas fora do futebol do que aos treinamentos”, censura. “Isso faz com que o atleta deixe de ter a preparação ideal, como ocorria no meu tempo no qual a maioria dos jogadores até tinha outra atividade, mas dedicava todo o tempo restante ao futebol”, conta Quarentinha, que por 18 anos vestiu a camisa do Papão, conquistando diversos títulos locais e interestaduais.
O ex-craque bicolor vê no comportamento dos grandes ídolos de hoje o que ele chama de “um péssimo exemplo” para a garotada. “Quem está começando no futebol tem sempre um ídolo como referência e hoje, esses grandes ídolos nem sempre se dedicam a preparação que precisam ter, o que acaba sendo copiado pelos mais novos”, diz.
Rede social escancara abismo com a profissão
O ex-zagueiro Ronaldo Penafort, que brilhou com a camisa da Tuna Luso, na década de 1980, sagrando-se campeão da Taça de Prata, primeiro título nacional do futebol paraense, em 1985, é um dos ex-jogadores que não vê com bons olhos a “metamorfose” sofrida pelo futebol, mais especificamente no comportamento dos profissionais e daqueles que dão os primeiros passos na carreira. Segundo ele, há um grande abismo entre o futebol do passado, no qual havia mais dedicação do atleta à profissão, e o de hoje, no qual o atleta está mais interessado em usufruir da fama proporcionada pelo esporte.
“A diferença entre o futebol do passado, da minha época, para o de hoje é muito grande”, compara. “Hoje em dia o jogador, mesmo quem não tem tanto nome, se sente uma grande estrela por conta das redes sociais, que não existiam em tempos passados”, argumenta. Segundo o ex-jogador, que também foi campeão alagoano em 1991, defendendo o CSA-AL, dirigido por Givanildo Oliveira, o atleta de hoje é mais notado pelo que faz fora das quatro linhas do que pelo futebol que apresenta em campo.
“O cara, por exemplo, não pode ir a um restaurante, comprar um carro novo, arrumar uma nova namorada que logo passa a ter mais espaço na mídia social do que na esportiva”, acusa. “Até mesmo dentro de campo essa mudança é percebida. O jogador já entra em campo com o short enrolado para chamar a atenção porque sabe que amanhã ou depois na mídia e, principalmente, nas redes sociais, vão falar mais da maneira como o atleta usa o uniforme do que da atuação que ele teve na partida”, dispara Ronaldo.
Na avaliação de Ronaldo, cuja carreira foi encerrada no Sport Belém, depois de passagens também pelo Fortaleza-CE e Paysandu, a garotada que está dando os primeiros passos na profissão acaba sendo influenciada de forma negativa pelo comportamento das grandes estrelas. “Isso leva muitos desses garotos, alguns até de talento, a ficarem pelo meio do caminho, o que é prejudicial ao futebol brasileiro”, arremata.