A falsa crise dos artilheiros
A mídia sudestina insiste em ver uma suposta crise na formação de artilheiros no Brasil. Os fiascos nas Copas de 2018 e 2022 contribuem para reforçar esse argumento. A questão é que, muito mais do que uma carência de goleadores, há um reiterado processo de equívocos (propositais ou não) na convocação de jogadores para a Seleção.
Interesses maiores se sobrepõem ao simples mecanismo de escolha dos jogadores – não apenas de atacantes, diga-se – na Seleção. Faz tempo que as convocações são marcadas por verdadeiros absurdos, sem explicação clara para justificar a prioridade por atletas que nem sempre estão entre os melhores da posição.
É possível que no passado essa distorção já existisse, mas seguramente não era tão escancarada como passou a ser nas últimas décadas. A profissionalização e a mercantilização tornaram as escolhas extremamente valorizadas no mercado.
A partir da década de 1990, uma convocação para o escrete canarinho virou uma espécie de carimbo de qualidade, algo como um ISO-9000, uma garantia para o investimento de clubes ávidos em busca de jogadores promissores.
Clubes, empresários e técnicos começaram a descobrir um filão lucrativo, que permitia comissões polpudas e lucros portentosos, sem maior esforço. Muitos enriqueceram com esse expediente, talvez ainda enriqueçam, difícil saber – e provar. O certo é que, para cada Romário, havia um Viola; para cada Ronaldo Nazário, um Grafite, e por aí vai.
Rende tese acadêmica o rosário de falcatruas e golpes praticados em nome do futebol pentacampeão do mundo. Voltei a este tema em face da atual seca que se abate sobre o comando do ataque da Seleção, como ocorreu no ano passado na Copa do Qatar e quatro anos antes na Rússia.
Os centroavantes chamados foram Gabriel Jesus e Richarlyson. Jesus teve duas chances com Tite. Não conseguiu fazer gol em nenhuma ocasião. Richarlyson fez, mas, como Jesus, não convence.
É de espantar que no Brasileiro deste ano dois atacantes demonstrem plenas condições de honrar a camisa 9, tão emblemática e ao mesmo tempo tão pesada. Tiquinho Soares, artilheiro e melhor jogador da competição, marcou 15 gols. Não foi sequer mencionado por Fernando Diniz.
Tem 32 anos, é nordestino, nunca havia jogado no Brasil. Foi descoberto no futebol internacional e repatriado pelo Botafogo. Pouco importa. Simples, faz o que dele se espera. Gols, muitos deles. De todo tipo (de cabeça, por cobertura), de todas as distâncias. Dificilmente será lembrado. Sempre irá aparecer alguém com um argumento contrário a vetar o botafoguense.
Bem, se Tiquinho é “velho”, há uma opção mais jovem. Marcos Leonardo, da seleção sub-20, vem se destacando no Brasileiro no comando da dianteira do Santos, um dos piores times do campeonato. Como Tiquinho, faz gols em profusão, chuta e dribla muitíssimo bem.
Além dos citados, Rony continua em grande forma no Palmeiras, Victor Roque é referência no Atlético-PR e John Kennedy brilha no Flu. Basta chamar e dar chance. Caso fracassem, tudo bem, mas experimentar quem se destaca é parte fundamental das atribuições do técnico da Seleção.
Enquanto isso, Diniz imita o renitente Tite na insistência com Gabriel Jesus e Richarlyson. E a mídia preguiçosa seguirá repetindo o mantra da falta de homens com faro de gol. E la nave va.
Bola na Torre
O programa vai ao ar às 22h, na RBATV, com Giuseppe Tommaso na apresentação. Participação de Valmir Rodrigues e deste escriba de Baião. Em debate, os planos da dupla Re-Pa para a próxima temporada. A edição é de Lourdes Cezar.
Sobre pipocas e pipoqueiros mimados
Ao término do jogo entre Brasil e Venezuela, quinta-feira à noite, na Arena Pantanal, um torcedor atirou um saco de pipocas sobre Neymar, quando este caminhava para os vestiários. Como diz o outro, pra quê?!
O menino mimado se abespinhou, pegou corda, dizendo-se ofendidíssimo com o gesto. Para zero surpresa, parte das focas amestradas deu plena razão a ele.
Não vi injúria ou humilhação na brincadeira do torcedor. Foi mais um ato de escracho e deboche, jamais achincalhe. No fim das contas, retrata bem as últimas performances de Neymar no escrete.
Excesso de firulas, reclamações abundantes sempre por motivos bobos e nada daquele futebol que um dia chegou a encantar a torcida.
Ao mesmo tempo, a reação foi visivelmente exagerada em relação ao episódio. Neymar tratou de aproveitar a situação para desviar o foco da pífia apresentação dele e dos demais jogadores da Seleção contra a esforçada equipe venezuelana.
Quando diz que não está no Brasil em férias revela aquela soberba dos que se acham super importantes, cuja presença na Seleção equivale a um imenso favor ao país. Tipo da bobagem que remete aos tempos tristes da pátria de chuteiras e outras patriotadas cretinas.
Neymar está devendo, muito, como principal jogador brasileiro da atualidade. Conduz sua vida pessoal com o descompromisso dos astros pop, mas sempre que pode exige reconhecimento e reverência.
Precisa voltar o quanto antes a ser o ídolo solícito e simpático que passou por Belém e deixou a impressão de que estava mudando para melhor.