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Futebol feminino no Pará: é preciso investimento para ser competitivo

Matheus de Oliveira

Depois de longos anos batendo na trave, o futebol do Pará volta a ter a chance de conquistar um título com relevância nacional para a sua galeria. O representante, por sua vez, é da categoria feminina do Clube do Remo, que medirá forças contra o Mixto-MT, nesta manhã, pela grande decisão da Série A3. A campanha impecável das Leoas no gramado, que pode ser agraciada com o troféu, contudo, entra em contraste com o investimento na modalidade.

Atualmente, somente duas equipes locais possuem calendário para a temporada de 2024 em competições do Brasileiro feminino: o Remo, classificado para a Série A2, e a Esmac, que vai disputar a Série A3 após ter sido rebaixada neste ano com nenhuma vitória em seu saldo.

De acordo com as protagonistas do esporte, que muitas vezes revezam o desempenho tático no gramado com outras funções fora de campo, justamente pelo baixo apoio à modalidade, destacam que o futebol feminino possui tanto potencial quanto ao masculino, carecendo somente de visibilidade e investimento, como todo e qualquer esporte individual ou coletivo.

A jogadora do Clube do Remo, Lora Soure, multicampeã pela categoria, reforça a teoria: “É necessário mais investimentos na categoria de base, como é feito no masculino, pois é aí que está o futuro. Já melhorou bastante. O Clube do Remo é um exemplo disso. Investiu em uma comissão técnica vitoriosa e experiente, o que elevou o nível de estrutura e profissionalismo. Mas é preciso melhorar ainda mais para fazermos frente às grandes equipes”, destaca a atleta, que também é profissional na área de educação física.

Para a próxima temporada, as Leoas vão encarar adversários tradicionais do futebol nacional, o que naturalmente deverá apontar a diferença de investimento e estrutura com a sua integração a uma competição mais difícil. Nesse sentido, Lora Soure avalia: “O Clube do Remo já fez um investimento local na qual tivemos expressivos resultados, como o Campeonato Paraense, o acesso para a A2. Mas para a A2 do ano que vem o investimento tem que triplicar, pois tem equipes muito fortes e não podemos entrar somente para participar. Temos que pensar grande e para isso é preciso uma grande estrutura. Creio que assim o Clube do Remo vai chegar no mais alto nível de futebol feminino”, projeta.

EM BUSCA DO PROFISSIONALISMO PLENO

Com a aproximação da Copa do Mundo da Austrália e Nova Zelândia, a visibilidade da categoria deve aumentar, mas Genilson Oliveira, gerente de futebol da Esmac, destaca que é preciso muito mais para a modalidade alcançar o profissionalismo pleno. “Para o futebol feminino deslanchar precisa de muita coisa, acho que uma Copa do Mundo não muda muita coisa no cenário do futebol feminino. Quantas Copas já tiveram e não mudou quase nada. Tem que começar pela CBF ajudar os clubes financeiramente. Tem ajuda, mas é muito pouco para um clube se manter. As Federações poderiam também fazer a sua parte, já que o clube representa a entidade. O futebol feminino não tem uma visibilidade como tem o masculino, com isso é muito difícil conseguir parceiros, patrocinadores e investidores. Quem deveria ajudar, não ajuda. Com toda certeza o futebol feminino no Pará precisa de incentivos, do governo, prefeitura, etc”, diz.

Mercy Nunes, treinador do Clube do Remo e pioneiro na categoria ao ter somado títulos e acessos pela Esmac, reforça que o sucesso obtido foi reflexo de investimentos, única via para qualquer evolução. O profissional, nesse ponto, explica. “Futebol feminino no nosso estado tem evoluído bem pouco. No Remo me deram toda uma estrutura com alojamento, boa alimentação, pagamentos. Elas recebem por jogo, material de treinamento, nada falta para elas. Isso já é um investimento muito forte, tanto é que os resultados estão aparecendo. Claro que ainda falta muita coisa, estamos longe dos grandes centros. Mas o Remo dá um pontapé inicial nesse projeto. Creio que os outros clubes copiando, investindo, fará com que o futebol feminino do nosso estado fique forte”, analisa.

Camila Ribeiro vê evolução na modalidade, mas é preciso muito mais – Foto: Lucas Sampaio

“A GENTE SÓ QUER IGUALDADE, PORQUE FUTEBOL TEMOS PARA ISSO”

Apesar do momento interessante na modalidade representado pelo Clube do Remo, no geral, o futebol feminino sofre com a ausência do básico para a sua ascensão. Com campeonatos pouco atrativos, especialmente a nível local, fraca captação de recursos e uma responsabilidade enorme colocada nas costas das atletas, o futebol feminino vive na base do sonho e do amor de quem o pratica.

Camila Ribeiro, da Esmac, que exerce a função de lateral e ponta pela direita, relata um pouco das durezas na modalidade. “O futebol feminino necessita de investimento e principalmente apoio, porque é surreal o quanto as meninas daqui jogam. Imagine se investissem em nós. Treinamos debaixo de sol, chuva, em campos ruins e mesmo assim elas conseguiram chegar na elite do futebol feminino como foi a Esmac. Não precisamos só de investimento do clube, mas sim da Federação daqui. É um absurdo o quanto é caro a arbitragem, para alugar campo aqui, para a gente jogar um Brasileiro. Fora que até os árbitros daqui desrespeitam a gente, com o time que vem de fora eles só faltam carregar no colo, já com a gente eles querem falar grosso, gritar. Colocam a gente pra jogar um Paraense tamanha 9h30 da manhã. Assim como o masculino funciona só com investimento, é dessa forma que funciona um feminino”, destrinchou.

Apesar das limitações escancaradas, o futebol feminino segue dando mais frutos do que o masculino no gramado em termos de alegria ao torcedor. Camila segue com a sua avaliação. “Isso diz muito sobre a nossa modalidade, está crescendo e evoluindo. Alguns jogos já estão sendo televisionados, estádio cada vez mais lotado. Isso é uma conquista pra todas, sabe? Porque ninguém sabe do nosso dia a dia, pessoas só buscam resultados, ninguém pergunta se estamos precisando de alguma coisa. A gente só quer igualdade, porque futebol temos pra isso”, garante.