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Futebol feminino: história marcada pela resistência

Tylon Maués

O esporte feminino de alto rendimento é mais uma das várias conquistas das mulheres ao longo do século passado, período de maior efervescência do movimento feminista ao redor do planeta. O futebol já foi proibido para mulheres no Brasil. O preconceito é uma constante até hoje. Na semana passada, por exemplo, algumas das principais jogadores do Clube do Remo deixaram o Baenão e o assunto “assédio” dominou as conversas.

Em 2020, a jornalista Mayra Leal apresentou a dissertação de mestrado na UFPA (Universidade Federal do Pará) intitulada “Torcida, Substantivo Feminino: interações e relações de gênero nas torcidas do clássico Remo x Paysandu”. No estudo ficou escancarado que as mulheres ainda são olhadas com um viés de preconceito mesmo que estejam apenas se divertindo ao prestigiarem seu time de coração.

“Existe esse pensamento de achar que mulher não entende de futebol, que aquele não é o lugar dela. Mas, aos poucos, essa situação vai mudando. Isso vem acontecendo em toda a América Latina, a gente vê as torcidas antifascistas, que é um novo cenário, com mais espaço para manifestações femininas. Ao mesmo tempo em que ainda existe um pensamento cristalizado na sociedade, mas vem mudando, sim”, disse Mayra, em entrevista ao DIÁRIO há três anos. De lá para cá, os avanços vêm sendo sentidos cada vez mais, embora ainda haja muito para superar.

Normal, já que o futebol feminino no país do esporte conta uma história de resistência e luta. A primeira partida de futebol entre mulheres no Brasil foi registrada em 1913, segundo o historiador José Sebastião Witter, entre as equipes dos bairros Cantareira e Tremembé, de São Paulo (SP). Em vários momentos do século XX a prática foi proibida.

A primeira proibição foi em 1941, depois da criação do CND (Conselho Nacional de Desportos), órgão do Ministério da Educação. Na época, debatia-se a profissionalização e o amadorismo dos esportes no país. Através do decreto-lei 3.199, no Artigo 54, ficou definido que “mulheres não deveriam praticar esportes que não fossem adequados a sua natureza”. O futebol não foi citado, mas se enquadrava na descrição.

Em 1965, já na ditadura militar, o decreto-lei é novamente publicado e desta vez, de forma mais detalhada. “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.

Foi assim até 1979, quando foi revogada a lei que proibia as mulheres de jogarem futebol. Quatro anos depois, a modalidade foi regulamentada, permitindo competições, a definição de calendários, além de ensino nas escolas. Os times Radar (RJ) e Saad (SP) surgem, então, como pioneiros no profissionalismo feminino. Mas a modalidade ainda demoraria a engrenar no país.

O futebol feminino enfrentou – e ainda enfrenta – bastante preconceito – Foto: Acervo do Museu do Futebol

Barreiras estão sendo quebradas aos poucos

O fim da proibição não mudou o panorama geral em muita coisa. Na maioria esmagadora dos clubes e das federações o futebol feminino ainda não havia sido regulamentado e seguiu enfrentando proibições pelo país. Em setembro de 1982, antes de um clássico entre São Paulo-SP e Corinthians-SP, houve um movimento de resistência à partida das mulheres e Sócrates, craque do Timão, saiu em defesa do futebol feminino, dizendo que se elas não entrassem em campo, o Corinthians masculino também não entraria.

O Conselho Nacional do Desporto autorizou definitivamente a prática feminina do futebol no dia 25 de março de 1983, acompanhada de algumas recomendações feitas pela própria Fifa, como redução do tempo de jogo, do tamanho do campo e do peso da bola, bem como utilização de protetores para os seios. Decisões essas que caíram em desuso atualmente.

Futebol no mundo – Durante a Primeira Guerra Mundial, com os homens nas trincheiras, a Europa teve um boom de futebol feminino, em especial na Inglaterra. Nesse contexto, os times femininos realizavam partidas beneficentes. Com o fim da guerra, o cenário mudou e elas voltaram às arquibancadas. Na França, houve certa resistência, com a manutenção das atividades até 1926.

Nos dias de hoje, com a realização da Copa do Mundo Feminina e as várias ligas ao redor do globo, o futebol feminino tem se destacado cada vez mais no cenário mundial. Ainda assim, a disparidade de salários entre os atletas dos dois sexos continua sendo enorme a favor dos homens. Aos poucos os eventos oficiais da Fifa têm tido uma equiparação de premiação de atletas e membros da arbitragem.