Bola

Caso Daniel Alves e o reflexo na sociedade e no meio esportivo

Nildo Lima

“O Brasil precisa urgentemente de grandes exemplos em vários setores. Somos um país muito egoísta, onde se o meu estiver bom, o do outro não importa. Assim não se cria uma nação sólida e nem sensibilidade entre as pessoas”. A declaração é de Daniel Alves, feita em outubro de 2019, quando o veterano lateral-direito sonhava em ir ao Mundial do Qatar, o que acabou se concretizando. O atleta se encontra preso, hoje, na Espanha, acusado de estupro a uma mulher em uma boate de Barcelona. O triste episódio está repercutindo de forma negativa no mundo inteiro e mais ainda no Brasil.

Com passagens por grandes clubes e participações em quatro Mundiais, aos 39 anos, Alves acabou trocando o espaço na mídia esportiva pelo policial. Com isso, o jogador, cujo contrato foi rescindido, de forma unilateral, pelo Pumas, do México, vem tendo sua popularidade, que já não era tão grande, por se tratar de um atleta em fim de carreira, ainda mais reduzida. O caso protagonizado por Alves não é algo isolado na história do futebol brasileiro. Muitos outros episódios da mesma natureza já foram protagonizados por atletas de nome no esporte nacional.

Há pouco tempo, o ex-jogador do Santos-SP, Robinho, foi condenado pela justiça da Itália a nove anos de prisão pela prática de estupro. Na ocasião, o atacante era um dos principais nomes do time do Milan. A extradição do atleta, porém, foi negada pelo governo brasileiro e Robinho segue morando no país, impune, mas, pelo menos por enquanto, sem exercer a sua profissão e, assim como vem acontecendo com Alves, sem contar com grande prestígio.

Alves pode até se livrar da condenação na Espanha, deixando de cumprir pena de até 12 anos de reclusão em regime fechado, como prevê a lei daquele país, mas dificilmente ele voltará a ter o mesmo cartaz que tinha na sociedade, sobretudo nos meios esportivos. Episódios como os protagonizados por Robinho e Daniel Alves, costumam deixar rastro negativo para o atleta e o olhar condenatório da sociedade de uma forma geral. Exemplo disso é o fato de Robinho ter seu retorno ao Santos, após a condenação na Itália, barrado por conta das cobranças dos torcedores à diretoria do clube.

Para muitos profissionais da psicologia, os clubes carregam, de certa forma, responsabilidade pelo comportamento extracampo de grandes estrelas do futebol, como Daniel Alves e Robinho. Eles ressaltam que, em suas formações, os atletas não costumam contar com orientações para a boa convivência em sociedade, se limitando apenas às cobranças para entregar o resultado dentro de campo.

Jogador caiu em contradição em seus depoimentos e polícia espanhola agiu rápido, efetuando a prisão provisória enquanto seguem as investigações – Foto: Divulgação

Especialistas analisam o contexto sócio-esportivo

Na visão de especialistas consultados pelo DIÁRIO, são vários os fatores que podem ajudar a explicar o envolvimento de estrelas do futebol em crimes, no caso de Robinho e o goleiro Bruno, por exemplo, já condenados, e no caso de Daniel Alves ainda em processo investigatório.

De acordo com a psicóloga Bárbara Sordi, de 38 anos, professora da Universidade da Amazônia (Unama), os tristes episódios protagonizados por Daniel Alves e outros profissionais famosos do futebol são apenas um reflexo do que acontece na sociedade machista brasileira de uma forma geral.

“Quando a gente pensa nesses jogadores que passam a ter um determinado poder aquisitivo e fama repentina proporcionados pelo futebol, a gente está falando de homens comuns, como pessoas com as quais convivemos em vários espaços, mas que passam a ocupar um espaço de fama, o que se traduz em poder”, diz Sordi, que coordena grupos reflexivos para a violência de gênero. “Precisamos passar a refletir sobre masculinidades e violência contra as mulheres na sociedade como um todo, sobretudo em espaços considerados masculinos”, complementa.

Para o psicólogo Carlos Magno Silveira, de 42 anos, o fato de cada vez mais garotos estejam despontando no futebol e, ainda cedo, se tornando grandes ídolos, precisa ser levado em consideração. “É importante analisar o contexto social e histórico em que o futebol se desenvolve no nosso país”, recomenda. “Cada vez mais, jogadores de pouca idade estão iniciando a carreira. No sub-15, por exemplo, ainda estão em fase de formação da pessoa, do caráter. E acabam inseridos em ambiente onde o que conduz é o dinheiro. Isso cria no atleta a ilusão de que a eles tudo é permitido, inclusive a violência contra a mulher”, diz Silveira.

A base não se trata apenas de jogar futebol, mas de formar cidadãos – Foto: Divulgação

Atleta deve ter acompanhamento desde a base

O Estatuto da Criança e do Adolescente exige que os clubes de futebol disponibilizem assistência psicológica para os jogadores de base. Mas o cumprimento desta exigência é raro, principalmente em se tratando de clubes de menor poder financeiro. Trazendo a questão para o futebol local, Clube do Remo e Paysandu, por exemplo, não possuem psicólogos trabalhando em seus departamentos de futebol profissional e menos ainda em suas divisões de base, quase sempre colocadas em segundo plano no orçamento dos clubes.

Quando chega ao grupo de clubes de porte médio ou pequeno do futebol paraense a contratação de um psicólogo é algo impensável diante da falta de recursos financeiros. Assim sendo, muitos dos jovens atletas vão sendo formados sem qualquer orientação fora do futebol propriamente dito, o que na maioria dos casos faz com que o atleta, ao ganhar fama e, principalmente poder financeiro como profissional, acabe tendo um comportamento psicossocial inadequado.

O efeito da má formação acaba, muitas vezes, levando o atleta a se perder ao atingir o estrelato, conforme ressalta o psicólogo Sidney Waknin, de 69 anos, que teve passagens pelo Baenão e Curuzu, trabalhando com os profissionais de Leão e Papão. “A base de qualquer clube precisa, com toda a certeza, contar com psicólogo, que pode ajudar na formação do jogador, no estilo de vida que o cidadão precisa ter”, diz. “O atleta deve chegar preparado ao sucesso, do contrário, o profissional, que quase sempre vem da pobreza, acaba extrapolando em seu comportamento como cidadão”, disse.

Waknin conta que já chegou a apresentar propostas a Clube do Remo e Paysandu para a utilização de seus serviços nas divisões de base azulina e bicolor. “As direções dos clubes ficaram de estudar a proposta, mas ficaram só na promessa. A ideia nunca saiu do papel. Esse tipo de assistência é fundamental para que lá na frente o atleta não venha a se deparar com dificuldades, como a que vem sendo vivida pelo Daniel Alves e já enfrentada por outros profissionais do futebol”, salienta Waknin.