Nildo Lima
A rivalidade entre azulinos e bicolores parece não ter mesmo limite. A disputa entre os torcedores do Clube do Remo e do Paysandu, a mais tradicional do futebol da região Norte, vai de uma simples porrinha ou, para alguns, “jogo do palitinho”, chegando, espantosamente, até mesmo ao cemitério. Se é que para por aí. Para quem não acredita no antagonismo entre aqueles simpatizantes de Leão e Papão que já partiram desta vida, basta uma visita a algumas tradicionais necrópoles da capital paraense, entre elas a de São Jorge, no bairro da Marambaia.
O cemitério abriga a chamada última morada de muitos saudosos torcedores dos dois maiores clubes paraenses. É fácil encontrar, num breve passeio pelo local, mausoléus bem construídos e simples sepulturas pintadas nas cores dos clubes ou ornamentadas com algum símbolo que coloca em evidência a paixão clubística de quem ali foi enterrado. Em alguns casos, explica um funcionário do “São Jorge” a homenagem aos clubes parte do próprio morto quando em vida e em outros é a própria família que resolve fazer do local um espaço azulino ou bicolor em razão da paixão do ente querido.
“Já vi muita gente homenageando um pai, um filho, um marido e outros parentes com a construção de mausoléus nas cores do clube do coração do falecido ou da falecida”, conta o pedreiro Salomão Veiga Soares, de 60 anos, 40 dos quais dedicados à construção da chamada “última morada”. “Quem não pode fazer uma obra mais cara, costuma utilizar algo mais simples, como a colocação de um escudo do time de preferência do morto nas sepulturas. Mas o que fica mesmo são os mausoléus”, informa Salomão, enquanto caminha pelas alamedas do “São Jorge”, exibindo algumas de suas obras dedicadas a azulinos e bicolores.
O cemitério do bairro da Marambaia abriga, segundo o coveiro João Santos, de 51 anos, que trabalha no local desde 2006, cerca de 20 mil sepulturas e mausoléus e mais 1.500 catacumbas. “Entre esses mausoléus, pelo menos de 15 a 20 têm alguma coisa referente ao Remo e ao Paysandu, clubes que as pessoas enterradas ali torciam”, explica Santos, que tem acompanhado de perto outros tipos de homenagens mais simples. “Vejo muitos torcedores serem enterrados com a camisa do clube do coração ou levando a bandeira do time em cima do caixão”, salienta.
Um grande amor não acaba assim!
A simpática senhora Ruth Helena da Costa, de 53 anos, trabalha como zeladora no cemitério de São Jorge há quase dois anos e meio. Moradora do município de Marituba, ela é responsável por cuidar dos jazigos das famílias Barbosa e Vale da Silva, duas das sepulturas do local que possuem referências à Paysandu e Clube do Remo, respectivamente. Ela conta que os escudos dos clubes nas sepulturas chamam a atenção de quem visita o cemitério. “Principalmente em dias de grande movimento, como, por exemplo, no Dia de Finados, como aconteceu recentemente”, detalha Ruth Helena.
Ela conta que o primeiro mausoléu a receber o distintivo foi o do Clube do Remo. “O do Paysandu foi colocado mais recentemente, há uns quatro meses mais ou menos”, conta. Os familiares dos dois mortos, segundo a zeladora, não se conhecem, embora os jazigos dos parentes não estejam tão distantes um do outro. “Os parentes desses falecidos quase sempre visitam o cemitério em dias diferentes”, justifica Ruth Helena. A zeladora vê a homenagem como algo normal. “Na verdade, essa homenagem não é aos clubes, mas aos familiares mortos, que, com certeza, deveriam ser torcedores apaixonados”, argumenta.
O jazigo com o escudo do Paysandu pertence à família Vale da Silva. A sepultura, além do escudo do Papão, é ornamentada com duas fotos de familiares e imagens de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. O outro túmulo, este remista, pertencente a família Barbosa, além de um grande distintivo do Leão Azul, também está afixado o escudo do Flamengo, do Rio de Janeiro. A reportagem tentou contato com os familiares dos falecidos, mas em alguns casos as ligações não foram atendidas e, em outros, os funcionários do cemitério não souberam informar os endereços e telefones destas pessoas.
Ao menos três mausoléus com escudos de Clube do Remo e Paysandu ficam de frente para o lado de entrada do cemitério, sendo de fácil visão para quem passa pela rua, o que acaba chamando a atenção dos transeuntes. Caso do feirante Luís Augusto de Souza Sampaio, de 44 anos. “Acho uma coisa muito curiosa. Mostra o quanto os nossos clubes são amados por seus torcedores. Infelizmente nem sempre esse torcedor é retribuído em sua paixão”, comentou, ao ser abordado pela reportagem a caminho do trabalho.
A doméstica Laura Santos Magalhães, de 56 anos, moradora do bairro, revela que a homenagem ao Clube do Remo e ao Paysandu nos túmulos já foi tema de conversa entre amigos e familiares dela. “Há poucos dias estávamos falando sobre isso”, conta. “Todos nós achamos curiosa essa homenagem. O futebol é mesmo algo que faz com que as pessoas se apaixonem até a morte”, declarou.