Michele Oliveira
Folhapress/Ímola e Milão, Itália
Sua imagem e seu nome fazem parte da sinalização urbana, com indicações para uma das áreas mais visitadas da cidade. Sua assinatura está em luminosos pendurados sobre o centro histórico. Seu rosto está na sala do prefeito, em um retrato na estante, e prestes a virar um mural de quatro metros de altura na periferia. A maioria ali o chama pelo primeiro nome, Ayrton.
Trinta anos após a morte de Ayrton Senna, em um choque com o muro da curva Tamburello, em 1º de maio de 1994, a cidade de Ímola, no norte da Itália, convive com a imagem do brasileiro como parte da paisagem e da memória coletiva, compartilhada mesmo por quem não lhe assistiu nas pistas nem viu o acidente. “Sempre vi e ouvi sobre Ayrton. Quando tinha dez anos, nos jogos de computador, escolhia correr com a máquina dele”, disse o prefeito de Ímola, Marco Panieri, 33, que tinha menos de quatro anos quando Senna morreu.
A sua geração e as seguintes se acostumaram com a figura de Senna entre os personagens locais históricos. A cidade, com 70 mil habitantes, é marcada pelo autódromo Enzo e Dino Ferrari, inaugurado há 70 anos, dentro da área urbana. “Aqui, cada um tem um amigo, um irmão ou uma tia que já fez alguma coisa no autódromo: controlava o acesso à tribuna, trabalhava no estacionamento… Difícil não ser contagiado por isso”, afirmou Panieri.
Desde a morte de Senna, uma área vizinha à pista, com vista para o muro do acidente, tornou-se ponto de homenagens ao brasileiro, com flores e bandeiras. O local, dentro do Parco delle Acque Minerali, com acesso gratuito 24 horas por dia, ganhou em 1997 uma estátua do piloto, feita por Stefano Pierotti, atraindo mais fãs. “Se você é uma criança e passa pelo parque, vê o monumento e todas aquelas bandeiras do mundo inteiro, não tem como não perguntar quem foi ele”, disse o prefeito.
A reportagem visitou o local em uma sexta-feira de abril, pela manhã, um dia sem eventos no autódromo ou na cidade. Na grade que separa o parque da pista estão penduradas centenas de itens, a maioria bandeiras. Muitas são brasileiras, mas há várias de outros países. Há fotos, camisetas e recados, alguns envelhecidos pela exposição ao ar livre.
Entre os poucos visitantes naquele horário, menos de uma dezena, havia um casal de brasileiros. “A gente vinha para a Itália a passeio e arrumou um jeito de vir até aqui. Eu via muito F1 na infância e me lembro da minha família toda reunida no domingo”, contou, emocionado, Tiago André Gonçalves, 39, de São José do Rio Preto (SP). “Depois dele, mudou tudo. Acompanho bem menos.”
HOMENAGENS
Em março, o autódromo e a cidade abriram a programação ligada aos 30 anos da morte de Senna. Uma das principais atrações é a mostra “Magic”, em cartaz até 2 de junho no museu San Domenico, com 94 fotografias do brasileiro, tiradas pelos italianos Mirco Lazzari e Angelo Orsi, que foi amigo de Senna. Muitas das cenas são informais, como uma que mostra o brasileiro conversando e rindo.
Como nos anos anteriores, as principais homenagens estão marcadas para este 1º de maio. O autódromo será aberto ao público e, com a presença de autoridades italianas e brasileiras, será realizado um minuto de silêncio às 14h17 (9h17 no Brasil), horário do acidente. Mais lembranças devem ser feitas quando a F1 passar por Ímola, no Grande Prêmio do dia 19.
As homenagens a Senna na Itália não se restringem a Ímola. Em Turim, no Museu Nacional do Automóvel (Mauto), será possível ver, até 13 de outubro, máquinas pilotadas por ele, como o Fórmula Ford do início e a Williams do final, além de objetos pessoais e registros em filmes e fotos. Nos últimos meses, em todo o país, foram lançados livros e programas especiais na TV.
Autor de “Senna e Prost, La Sfida Infinita” (em italiano, o duelo sem fim), publicado em janeiro, o jornalista Umberto Zapelloni afirmou que a idolatria dos italianos por Senna começou bem antes do acidente. Nos anos 1980, a F1 contava com grande cobertura na Itália, com transmissão em canais abertos, e repórteres que viajavam para acompanhar as corridas. “Mas eram anos em que a Ferrari não ia muito bem. Então, foi preciso se encantar por outros heróis. O torcedor se afeiçoou mais por Senna do que por Prost [Alain, piloto francês]”, disse Zapelloni.